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Durante o verão, muitas vezes tornam-se estacionários no sudeste do Brasil causando precipitação intensa e contínua sobre a cidade de São Paulo. Este.
CARACTERÍSTICAS CLIMÁTICAS DOS SISTEMAS FRONTAIS NA CIDADE DE SÃO PAULO

Guilherme Santini Dametto¹ e Rosmeri Porfírio da Rocha²

PALAVRAS CHAVES: Climatologia; frente fria; sistemas frontais; sinótica; São Paulo

RESUMO: Ao longo do ano, o clima da cidade de São Paulo é altamente influenciado pela passagem de sistemas frontais. No inverno, estes sistemas frontais são os principais responsáveis pela precipitação e queda de temperatura. Durante o verão, muitas vezes tornam-se estacionários no sudeste do Brasil causando precipitação intensa e contínua sobre a cidade de São Paulo. Este trabalho apresenta uma climatologia das passagens frontais sobre a cidade de São Paulo aplicando critérios objetivos às observações da estação meteorológica do IAG-USP. Os resultados mostram um mesmo padrão do vento horizontal de noroeste para os dois dias que precedem a passagem da frente, para as estações de inverno e verão. A permanência desse vento continental diminui (aumenta) a umidade relativa durante o inverno (verão). Para os dias seguintes à passagem, em ambas as estações, o vento médio permanece de sudeste, trazendo ar frio. O aquecimento préfrontal médio foi de 0.8oC e 0.5oC para o inverno e verão, respectivamente. A precipitação associada à passagem das frentes frias é maior no verão, porém sua contribuição na precipitação total é inferior a 50%, enquanto no inverno esta contribuição é superior a 50%.

ABSTRACT: Throughout the year, the climate of the city of São Paulo is highly influenced by the passages of frontal systems. In the winter, these frontal systems are mainly responsible for precipitation and temperature decrease. Most of the time, during the summer, it becomes stationary on the southeast of Brazil, causing continuous and intense precipitation over the city. This work presents climatology of the frontal passages over the city of São Paulo applying objective parameters to the observations made by the meteorological station of IAG-USP. The results show a similar pattern of the horizontal wind of northwest for the two days preceding the front passage, for both seasons. The permanence of this continental wind decreases (increases) the relative humidity for the winter (summer). After the frontal passage, for both seasons, the average horizontal wind remains southeast, bringing cold air. The mean pre-frontal heating was 0.8oC and 0.5oC for the winter and summer, respectively. The precipitation associated by the passage of cold fronts is higher for the summer and perhaps its contribution on the total precipitation is less than 50%, on the other hand, for the winter it is greater than 50%. ¹ Universidade de São Paulo – IAG / USP. Rua do Matão, 1226, 05505-900 – São Paulo, SP – Brasil. E-mail: [email protected] ² Departamento de Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo – IAG / USP. E-mail: [email protected]

INTRODUÇÃO Mudanças importantes nas condições de tempo são observadas durante a passagem de uma frente fria, tais como: giro do vento, precipitação, decréscimo da pressão atmosférica e da temperatura (Petterssen, 1956). As frentes frias podem ser encontradas entre dois anticiclones, na região de baixa pressão (ciclone) ou cavado no campo de pressão, na zona de confluência de massas de ar, separando uma corrente de sul e outra de norte. Após a passagem de uma frente fria, normalmente, observa-se queda de temperatura acentuada, aumento de pressão e rajadas de vento, quando o gradiente de pressão é intenso. O centro-sul da América do Sul, região situada entre os anticiclones subtropicais do Pacífico e Atlântico Sul, foi identificado como altamente favorável à formação e intensificação de sistemas frontais (Satyamurty e Mattos 1989). As frentes frias que atingem o sudeste do Brasil são orientadas na direção noroeste-sudeste com deslocamento típico de sudoeste para nordeste, com o vento próximo à superfície predominantemente de norte e sul antes e após a passagem da frente fria, respectivamente. Normalmente, tais sistemas atingem aproximadamente 20oS, onde se inicia seu processo de dissipação, denominado frontólise (Oliveira; 1986; Cavalcanti e Kousky; 1996). Algumas frentes atingem latitudes mais baixas, chegando na região amazônica inclusive, provocando o fenômeno conhecido como friagem descrita em Marengo et al. (1997). Em geral as frentes frias que ultrapassam a latitude de 35oS adquirem trajetória em direção ao equador, enquanto, as que cruzam a costa leste da América do Sul ao sul de 40oS deslocam-se preferencialmente para leste (Oliveira, 1986). Logo, o número de frentes frias tende a ser menor nas latitudes mais baixas e maior próximo ao litoral da Argentina. Segundo Justi da Silva e Silva Dias (2000), entre o verão e inverno o máximo de freqüência frontal migra de 45oS (litoral da Argentina) para 35oS (próximo ao Uruguai), respectivamente. Ambas as áreas são também conhecidas como altamente ciclogenética (Gan e Rao, 1991, Sinclair, 1995; Reboita et al., 2005). No litoral sudeste do Brasil, Oliveira (1986) e Justi da Silva e Silva Dias (2000) encontraram um número de sistemas frontais relativamente maior no inverno comparado ao verão. No entanto, Satyamurti et al. (1998) mostram que nos meses de verão as frentes frias tendem a atuar por mais tempo, associadas à Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS). Ao longo do ano, as frentes frias atuam no sudeste do Brasil, onde se situa a cidade de São Paulo, e contribuem decisivamente para o clima da cidade em todas as estações do ano. As frentes frias representam um mecanismo importante na remoção de poluente, durante o inverno. Nesta época, também são as principais (senão a única) causadoras das bruscas e acentuadas quedas de temperatura na cidade. No verão, estas frentes podem manter-se estacionárias sobre o sudeste do Brasil produzindo chuvas por uma vasta região por muitos dias.

¹

Este trabalho estabeleceu uma climatologia das passagens frontais, procurando identificar características médias, sobre a cidade de São Paulo aplicando critérios objetivos às observações da estação meteorológica do IAG-USP no período de 1981 a 2002.

DADOS E METODOLOGIA Os dados utilizados para estabelecer a climatologia das passagens frontais na cidade de São Paulo são as observações diárias entre 1981 e 2002 realizadas na estação meteorológica do IAGUSP, situada nos arredores da cidade, na latitude 23°39'S e longitude 46°37'W. Para os vinte e dois anos de dados as variáveis usadas na climatologia foram: vento meridional e zonal, temperatura, umidade relativa, precipitação e pressão. O critério utilizado para a identificação das frentes considerou o giro do vento meridional do quadrante norte para sul, sua manutenção no quadrante sul por pelo menos 24 horas e queda de temperatura entre o dia e mais dois dias após o giro do vento. Tal critério foi aplicado aos valores médios diários de temperatura (medidos no abrigo), direção e velocidade do vento (medido a 10m de altura).

RESULTADOS Após a aplicação do critério, proposto anteriormente, nos 22 anos de dados do IAG, obteve-se a precipitação associada à freqüência de passagem das frentes frias para as estações de verão e inverno.

Precipitação total - Verão (1981-2002)

Contribuição de frentes frias 41% (6034mm)

Contribuição de outros sistemas 59% (8672mm)

Precipitação total - Inverno (1981-2002)

Contribuição de outros sistemas 41% (1336mm)

Contribuição de frentes frias 59% (1889mm)

Figura 1 – Contribuição da precipitação devido às passagens frontais para o verão e inverno(1981-2002)

A figura 1 apresenta a razão entre a chuva acumulada para os cinco dias, centrado no dia da passagem frontal, pela chuva total sazonal. Através do método utilizado para a identificação de frentes frias (fig. 1) a estação com maior precipitação associada à passagem de sistemas frontais, nos cinco dias considerados, foi o inverno com 59% de toda a precipitação registrada, seguida pelo verão com 41%.

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Distribuição de frequências do número de dias de intervalo entre passagens de frente fria na cidade de São Paulo (1981-2002) Inverno

20

20

18

18

16

16 Frequência absoluta

Frequência absoluta

Distribuição de frequências do número de dias de intervalo entre passagens de frente fria na cidade de São Paulo (1981-2002) Verão

14 12 10 8 6 4

14 12 10 8 6 4

2

2

0 1

3

5

7

9

11

13

15

17

19

Intervalo (dias)

21

23

25

27

29

31

33

0 1

3

5

7

9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 41 43 45 47 49 51 Intervalo (dias)

Figura 2 – Distribuição de freqüências do número de dias de intervalo entre passagens de frentes frias para o verão e inverno (1981-2002)

Tabela 1 - Freqüência absoluta de frentes frias sobre São Paulo entre 1981-2002

A figura 2 apresenta histogramas de cada estação para o intervalo do número de dias entre passagens frontais. Tanto para o verão como para o inverno a maior freqüência absoluta para intervalo entre uma passagem frontal e outra é de 3 a 5 dias. Na Figura 2 nota-se também a presença de eventos extremos, ou seja, uma freqüência considerável de eventos em que São Paulo fica mais de 15 dias sem ser afetada por passagem frontal, em ambas as estações. Os maiores extremos foram obtidos no inverno, com 52 dias sem passagem frontal (5/06/1982 – 28/07/1982) e no verão 33 dias (7/01/1998 – 10/02/1998).

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A tabela 1 apresenta o número de sistemas frontais por ano e mês para todo o período de 1981 a 2002. Com o critério utilizado para a identificação das passagens frontais, o inverno foi a estação que apresentou um maior número de frentes frias (226), seguida pelo verão (184). A média anual de passagens na cidade de São Paulo é de 35, obtendo-se assim um intervalo médio de 10 dias entre uma frente e outra. Já para a estação de inverno um intervalo médio de 9 dias, seguido pelo verão com 11 dias aproximadamente.

Tabela 2 – Síntese das variáveis: vento meridional (v), zonal (u), vento horizontal (vh), temperatura, umidade relativa (UR), pressão (P) e precipitação (PPT) na passagem de frentes frias (1981-2002)

Dias Variáveis

-2

-1

22,7 76,3 922,8 5,8

23,2 77,4 922,3 9,6

0

1

2

v

V e r ã o

u vh T (ºC) UR (%) P (mbar) PPT (mm/dia)

Precipitação total Intervalo entre frentes

21,6 20,7 21,2 83,4 83,0 81,1 923,4 924,5 924,2 8,9 3,8 5,6 6034mm (41%) 5 dias

v

I n v e r n o

u vh T (ºC) UR (%) P (mbar) PPT (mm/dia)

17,4 75,6 927,8 1,8

Precipitação total

18,2 72,7 927,0 2,4

15,4 13,8 14,6 84,5 87,4 83,6 928,8 930,7 930,7 2,9 2,0 1,2 1889mm (59%)

Através da síntese de todas as variáveis apresentadas na tabela 2 é possível identificar padrões semelhantes para diversas variáveis, alguns são muitas vezes de senso comum, no entanto, também é possível identificar padrões talvez nunca antes descritos. No inverno, o vento dois dias antes da passagem é de noroeste o que implica em um ar quente e seco, como mostra a UR maior para o dia 2 em relação ao dia seguinte. Para o inverno e verão o vento médio no dia da passagem e nos dois que seguem são de sudeste, trazendo para São Paulo ar frio. Diferentemente do inverno no qual a umidade relativa diminui um dia antes da passagem da frente fria, para o verão há um pequeno aumento. A temperatura tem o mesmo comportamento para as duas estações, ou seja, sofre um aumento um dia antes da passagem e uma diminuição um dia depois. O aquecimento pré-frontal médio foi de 0.8oC e 0.5oC para o inverno e verão, respectivamente. A pressão segue um mesmo padrão para todas as estações, diminuindo um dia antes da passagem e subindo nos dois dias que seguem. O valor médio da taxa de precipitação é maior um dia antes da passagem frontal para o verão diferente do inverno, que é no dia da passagem. A contribuição dos sistemas frontais para a precipitação total foi de 41% e 59% para o verão e inverno respectivamente.

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REFERÊNCIAS Cavalcanti, I.F.A., V. E. Kousky, 1996: Configuração de anomalias associadas à propagação de sistemas sinóticos sobre a América do Sul. Anais do IX Cong. Bras. De Meteorologia, Campos do Jordão, 1331-1332. Gan, M. A., V. B. Rao, 1991: Surface cyclogenesis over South América. Mon. Wea. Rev., 119, 1293-1302. Justi da Silva, M. G. A., M. A. F. Silva Dias, 2002: A freqüência de fenômenos meteorológicos na América do Sul: Uma climatologia. Anais do XII Cong. Brás. de Meteorologia, Foz do Iguaçu (in CD-ROM). Marengo, J., A. Cornejo, P. Satyamurty, C. Nobre, W. Sea, 1997: Cold surges in tropical and extratropical South America: The strong event in June 1994. Mon. Wea. Rev., 125, 2759-2786. Oliveira, A. S., 1986: Interações entre sistemas frontais na América do Sul e convecção na Amazônia, INPE – 4008 – TDI/239. Reboita, M. S., R. P. Rocha, and T. Ambrizzi, 2005: Climatologia de Ciclones sobre o Atlântico Sul Utilizando Métodos Objetivos na Detecção destes Sistemas. In: IX CONGREMET, Congresso Argentino de Meteorologia, Buenos Aires, AR, October 3-7, 2005. Petterssen, S., 1956: Weather analysis and forecasting. Second. Edition, V. I, McGraw-Hill, Ney York, 428pp. Sattyamurty, P., L. F. Mattos, 1989: Climatological lower tropospheric frontogenesis in midlatitudes due to horizontal deformation and divergence. Mon. Wea. Rev., 117, 1355-1364. Sinclair, M. R., 1995: Climatology of cyclogenesis for the Southern Hemisphere. Mon. Wea. Rev., 123, 1601-1619.

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