Monografia - Alex - univali

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Monografia submetida à .... da Família, da Propriedade Privada e do Estado” do filósofo alemão Friedrich .... Para MORGAN, esta família “fundava-se sobre o.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS E O IMPEDIMENTO ÀS UNIÕES DÚPLICES.

ALEX FRANCISCO NOLLI

Itajaí (SC), novembro de 2008.

II

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

AS FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS E O IMPEDIMENTO ÀS UNIÕES DÚPLICES.

ALEX FRANCISCO NOLLI

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Professora Ma Luciana de Carvalho Paulo Coelho

Itajaí (SC), novembro de 2008.

SUMÁRIO

RESUMO ........................................................................................... XII INTRODUÇÃO .................................................................................... 1

CAPÍTULO 1 ...................................................................................... 4 DO DIREITO DE FAMÍLIA 1.1 NOÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA ............................ 4 1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA ............................................................. 12 1.3 CONTEÚDO DO DIREITO DE FAMÍLIA ........................................ 18 1.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA ........................................ 19

CAPÍTULO 2 .....................................................................................30 DAS ENTIDADES FAMILIARES EXPRESSAMENTE CONSTITUCIONALIZADAS 2.1 PREVISÃO CONSTTITUCIONAL .................................................. 30 2.2 CASAMENTO.............................................................................. 31 2.2.1 DA CAPACIDADE PARA CONTRAIR CASAMENTO ....................................................35 2.2.2 DAS CAUSAS IMPEDITIVAS E SUSPENSIVAS .............................................................38 2.2.3 DA PRÉVIA HABILITAÇÃO ...................................................................................45 2.2.4 DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO ......................................................................47 2.2.5 DAS PROVAS DO CASAMENTO ............................................................................49

2.3 UNIÃO ESTÁVEL ......................................................................... 52 2.3.1 CONCEITO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA ....................................................................52 2.3.2 REGULAMENTAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL ANTES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002................53 2.3.3 A UNIÃO ESTÁVEL NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ......................................................57 2.3.4 REQUISITOS PARA A CARACTERIZAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL .....................................58 2.3.4.1 Pressupostos subjetivos .................................................................................. 59 2.3.4.2 Pressupostos objetivos .................................................................................... 61

2.4 FAMÍLIA MONOPARENTAL ........................................................ 64

CAPÍTULO 3 .....................................................................................68 DAS ENTIDADES FAMILIARES NÃO CONSTITUCIONALIZADAS E A POSSIBILIDADE DAS UNIÕES DÚPLICES 3.1 ENTIDADE FAMILIAR UNIPESSOAL ............................................. 68 3.2 UNIÃO DE PESSOAS DO MESMO SEXO .................................... 71 3.3 CONCUBINATO ......................................................................... 78 3.4 POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DAS UNIÕES DÚPLICES ......................................................................................................... 85 3.4.1 DOUTRINAS E JURISPRUDÊNCIAS CONTRÁRIAS AO RECONHECIMENTO ........................86 3.4.2 DOUTRINAS E JURISPRUDÊNCIAS FAVORÁVEIS AO RECONHECIMENTO ........................89

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................99 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ...............................................102

CAPÍTULO 1

DO DIREITO DE FAMÍLIA

1.1 NOÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA8

A família, também chamada de base da sociedade, é a peça fundamental na organização social. Desde os primórdios, foi ela a geradora do ordenamento jurídico a que se submetiam os homens e mulheres. 9

De acordo com os estudos históricos, o homem inicialmente era um ser uno, não possuindo vínculos afetivos com outros seres humanos. A relação entre homem e mulher era apenas sexual e tal fato dava-se em razão de seus instintos. Portanto, não havia uma idéia de união, sendo qualquer homem livre para relacionar-se com qualquer mulher e vice - versa.10

Sobre esta época, ENGELS afirma que era:

[...] uma época primitiva em que imperava no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres.11

A construção deste capítulo foi baseada, principalmente, na obra “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” do filósofo alemão Friedrich Engels. 9 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 34ª ed. v.2. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 01,06-07. 10 ENGELS, Friedrich. A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. 17ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. p.31. 11 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 31. 8

5

Portanto, não havia distinção nem preconceito, sendo possível e aceitável toda e qualquer relação. Não havia o sentimento de repudio ao incesto, tampouco às questões de idade.

Conforme

o

homem

foi

adquirindo

um

maior

conhecimento sobre o ambiente que o cercava, começou a desenvolver atividades que demonstravam raciocínio, e não apenas instinto (como na pesca e caça), surgindo assim o fogo, os instrumentos de pedra, o arco e flecha e a cerâmica. Com isso, o homem abandonava suas crias e as deixava aos cuidados das mulheres, que passaram a se dedicar a prole. 12

O

homem

dedicando-se

à

caça

e

a

mulher

dedicando-se aos filhos e ao lar, posteriormente, a agricultura e ao pastoreio, tinha inicio uma nova fase na história, conhecida como Barbárie. 13

Com o tempo, o ser humano passou a ter maior noção de sociedade, surgindo as primeiras famílias.

Inicialmente, eram Famílias Consangüíneas. Em função do instinto de preservação e perpetuação da espécie, o homem e a mulher podiam se relacionar sem impedimentos. Uma vez que não havia discriminação alguma (a não ser entre pais e filhos) e todos poderiam se relacionar com todos, não havia forma de se estabelecer quem era o progenitor, não existindo, portanto, a figura do Pai. Tinha-se apenas o

ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 2224. 13 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 2428. 12

6

conhecimento de quem era a progenitora. Entretanto, não havia o conceito atual de mãe, sendo apenas uma referência. 14

Segundo MORGAN a Família Consangüínea “fundavase sobre o inter-matrimônio de irmãos e irmãs, carnais e colaterais no interior do grupo.” 15 Tal definição é confirmada por MELLO16.

Por ser a forma mais primitiva que se tem notícia, não existem registros de culturas quem ainda mantenham este molde familiar.17

Após esta fase, surgiram as Famílias Punaluanas. Nesta espécie de família surgiu o primeiro impedimento quanto aos sujeitos que poderiam relacionar-se. Não era permitida a relação entre irmãos. Entretanto, a definição de irmão era dada de acordo com a progenitora. Portanto, eram impedidos de se relacionar os filhos de uma mesma mãe. Ainda não havia a figura do pai e conseqüentemente, a família era matriarcal. Ainda era permitida a relação entre pais e filhas. 18.

MORGAN define a Família Punaluana como “o casamento de várias irmãs, carnais e colaterais, com os maridos de cada uma das outras, no interior de um grupo”.19

ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 3739. 15 MORGAN, L.H. Apud CANEVACCI, Massimo. Dialética da Família. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981. p. 56. 16 MELLO, Luiz Gonzaga – Antropologia Cultural: iniciação, teoria e temas. 10. ed. Petrópolis: Vozes, 2003. p. 329. 17 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 39. 18 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 3948. 19 MORGAN apud CANEVACCI. Dialética da Família. São Paulo. 1981, p. 56. 14

7

O

homem

casava

com

a

mulher,

porém,

por

conseguinte, poderia se relacionar com as irmãs de sua mulher. Portanto, a mulher poderia se relacionar com seu marido e com seus cunhados, não havendo impedimento para tanto.

O sistema adotado pelas Famílias Punaluanas era o totêmico. Cada família possuía um totem, que era o símbolo daquela família. Normalmente era representado por um animal, entretanto, em alguns casos, era um vegetal ou um fenômeno da natureza (chuva, água...). Todos os membros daquela família deveriam respeitar e adorar o totem, sendo impedidos de matá-lo ou destruí-lo. E apenas era permitida a procriação com os devotos de um mesmo totem.20

Segundo Sigmund Freud21. “A relação [...] com seu totem é a base de todas as suas obrigações sociais: sobrepõe-se à sua filiação tribal e às suas relações consangüíneas.”

Portanto, o surgimento da Família Punaluana foi um importante marco na história, uma vez que originou os primeiros impedimentos significativos de casamento e iniciou a noção da irregularidade do incesto. 22

Na seqüência, surgiram as Famílias Sindiásmicas, que foram as primeiras famílias a abandonar a vida primitiva e passaram a morar em casas. Entretanto, estas eram grandes casas comunais, servindo de abrigo para vários casais. 23

FREUD, Sigmund. Totem e Tabu: Obras Completas de Sigmund Freud. V. 13. 2 ed. Trad. Jayme. Salomão. Rio de Janeiro : Imago, 1995. p. 49. 21 FREUD, Totem e Tabu, 1995. p. 49. 22 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 39. 23 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 4866. 20

8

Para MORGAN, esta família “fundava-se sobre o casamento entre casais individuais, mas sem obrigação de coabitação exclusiva. O casamento prosseguia enquanto ambas as partes o desejassem”. 24

Com a nova forma de coabitação, o homem e a mulher passaram a ter uma relação mais parecida com as dos dias atuais, ou seja, passaram a ter uma conexão maior. 25

Com a diminuição do tamanho da Família, cada mulher passou a ter contato com menos homens, o que possibilitou uma nova relação entre os homens e seus filhos. Apesar de ainda não serem considerados pais, eles possuíam uma relação mais próxima que na espécie familiar anterior.

As proibições das famílias consangüíneas e punaluanas foram mantidas e ampliadas pelo totemismo. Ainda era possível o relacionamento sexual de homens e mulheres com os parceiros de outros casais, desde que não fossem desrespeitadas as proibições sanguíneas. Ou seja, era possível a poliandria e poligamia. Sobre isso, ENGELS ensina:

[...] um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuam a ser direito dos homens, embora a poligamia seja raramente observada, por causas econômicas; ao mesmo tempo, exige-se a mais rigorosa fidelidade das mulheres, enquanto dure a vida em comum [...]26

Esta Família ainda era matriarcal, sendo a mulher mais velha da casa importante figura na sociedade. Ou seja, aparecia a figura MORGAN Apud CANEVACCI, Dialética da Família, 1981, p. 57. ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 49. 26 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 49. 24 25

9

da sogra, mulher mais velha que servia de conselheira para seus filhos e filhas.

27

Nesta mesma época, surgiu a proibição de coabitar com as

sogras.

Sobre o tema, explica FREUD:

Do lado da sogra, temos a relutância em abrir mão da posse da filha, a desconfiança do estranho a quem esta é entregue, um impulso de manter a posição dominante que ocupou em sua própria casa. Do lado do genro, há a determinação de não se submeter mais à vontade de outrem, o ciúme de alguém que possuiu a afeição de sua esposa antes dele e, por fim, mas não em último lugar, a resistência a algo que interfere na supervalorização ilusória originada de seus sentimentos sexuais. A figura da sogra geralmente causa essa interferência porque tem muitas características que lhe lembram a filha e, não obstante, carece de todos os encantos de juventude, beleza e frescor espiritual que fazem da sua esposa uma pessoa atraente para ele.28

Na Família Sindiásmica, os filhos ainda pertenciam à mãe e sua gens, não possuindo o homem qualquer direito sobre sua prole. 29

Com o passar do tempo, o homem deixou sua posição submissa em relação ao controle da sociedade e passou a controlar as decisões do clã. Surgiam as Famílias Patriarcais.

MORGAN define a Família Patriarcal como sendo “o casamento de um só homem com diversas mulheres; era geralmente acompanhado pelo isolamento das mulheres”30 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 5051. 28 FREUD, Totem e Tabu, Imago, 1995. [sem grifo no original] 29 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 59. 27

10



para

ENGELS,

a

Família

Patriarcal

era

uma

“organização de certo número de indivíduos, livres e não livres, numa família submetida ao poder paterno de seu chefe.”31

Apesar

de

ser

muito

parecida

com

a

Família

Sindiásmica, a Família Patriarcal era controlada pelo homem, sendo permitido que este se relacionasse com outras mulheres. Entretanto, para a mulher era proibida a relação com outros homens. 32

Portanto, era consentida a poligamia, mas não a poliandria. A razão para tal impedimento é obvia: o homem desejava ter o poder sobre sua prole e para isso, precisava ter certeza que só ele mantinha relações sexuais com a mulher. Nascia a figura do Pai. Finalmente, o homem passou a ter certeza de sua progênie.33

Além disso, o homem passou a coabitar com a sua esposa. Entretanto, era permitido que houvesse outras mulheres. Logo, poderia haver descendentes de mulheres diferentes. Além das mulheres e dos filhos, era comum que houvesse subjugado ao poder patriarcal os escravos. Estas pessoas eram tratadas como propriedade do homem, devendo se submeter a todas as suas vontades. Não era incomum que as escravas também servissem seus chefes sexualmente34.

Apesar de não mais haver a briga entre os homens pela prole, ainda havia a discussão em relação ao patrimônio do homem MORGAN Apud CANEVACCI, Dialética da Família, 1981, p. 57. ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p.61. 32 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 62,65. 33 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 60. 34 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 6162, 67. 30 31

11

e sobre os direitos que cada mulher possuía em relação a este. Uma vez que havia mais de uma mulher e que ainda era possível que o homem se relacionasse

e

tivesse

filhos

com

suas

escravas,

iniciou-se

um

descontentamento em relação à valoração dada a cada mulher e a cada filho.35

Na Família Patriarcal havia a figura da mulher principal e esta se valia de sua situação para diminuir os direitos das outras mulheres e seus respectivos filhos.

Com isso, era necessário que o homem abandonasse sua posição poligâmica e passasse a coabitar e se relacionar com apenas uma mulher. Aparecia a Família Monogâmica.

Segundo MORGAN, esta família é fundamentada “sobre o casamento de casais individuais, com obrigação de coabitação exclusiva.”36

Já para ENGELS, a Família Monogâmica:

De modo algum foi fruto do amor sexual individual, com o qual nada tinha em comum, já que os casamentos, antes como agora, permaneceram casamentos de conveniência. Foi a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, mas econômicas, e concretamente no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva, originada espontaneamente.37

ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 7172. 36 MORGAN Apud CANEVACCI, Dialética da Família, 1981, p. 57. 37 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 70. [sem grifo no original] 35

12

Nas suas primeiras formas, era evidente o domínio do sexo masculino sobre o feminino. A monogamia era, na verdade, exigida apenas à esposa. Já o marido poderia relacionar-se sexualmente com outras mulheres, desde que não violasse o domicilio conjugal. Ou seja, ao contrário das Famílias Patriarcais, não era permitido ao homem tomar mais de uma mulher como sua esposa, porém não havia empecilho que o impedisse de se relacionar sexualmente com outras mulheres.38

Com o passar do tempo, a sociedade foi entendendo ser condenável a poligamia do homem. Porém, tal condenação era meramente “conceitual”, uma vez que tal prática era usual e tolerada. Sobre tal contradição, ENGELS faz o seguinte apontamento:

Embora seja, de fato, não apenas tolerado, mas praticado livremente sobretudo pelas classes dominantes, ele é condenado em palavras. E essa reprovação, na realidade, nunca se dirige contra os homens que o praticam e sim, somente, contra as mulheres que são desprezadas e repudiadas, para que se proclame uma vez mais, como lei fundamental da sociedade, a supremacia absoluta do homem sobre o sexo feminino.39

A Família Monogâmica é a existente nos tempos atuais, pelo menos em grande parte da civilização. Ainda que existam outros países que, baseados em crenças religiosas, permitam a poligamia, a Família Monogâmica é o padrão no Mundo Ocidental.40

1.2 CONCEITO DE FAMÍLIA

ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 66. ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 72. [sem grifo no original] 40 ENGELS, A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, 2005. p. 75. 38 39

13

Família,

segundo

a

Constituição

da

República

Federativa do Brasil, de 1988, é “a base da sociedade”. Sobre tal ponto não há duvidas, sendo esta uma verdade absoluta entre os doutrinadores.

Entretanto, o termo família é polêmico e complexo, por admitir mais de uma significação, o que o torna facilmente tema de discussão e contradição na Doutrina.41

A Doutrina divide a família, de acordo com seus objetos, em três categorias: Amplíssima, Lata e Restrita.42

A categoria amplíssima é aquela que permite a livre associação, tomando como membro familiar todos aqueles que sejam ligados, seja por vínculo de consangüinidade, afinidade é até por dependência. Esta última está prevista no artigo 1.412, §2º, do C.C.:43

Art. 1.412. O usuário usará da coisa e perceberá os seus frutos, quanto o exigirem as necessidades suas e de sua família. § 2º As necessidades da família do usuário compreendem as de seu cônjuge, dos filhos solteiros e das pessoas de seu serviço doméstico. [sem grifo no original]

Já a categoria lata é aquela que entende pertencer ao grupo familiar os parentes em linha reta e colateral, o cônjuge ou

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume VI: direito de família. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 1. 42 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, 5º volume: Direito de Família. 22. ed. rev. e atual. de acordo com a reforme do CPC. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 09-10. 43 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007. p. 09-10; MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 03-04. 41

14

companheiro e seus filhos. Além disso, inclui no rol os parentes por afinidade, ou seja, os parentes do cônjuge ou companheiro. 44

E por último, existe a categoria restrita. Esta categoria, como o nome já diz, é a mais circunscrita. Faz parte da família o cônjuge ou companheiro e a prole. Tal categoria sofreu modificações com a CF/88, uma vez que, anteriormente só era considerado o cônjuge proveniente

do

casamento,

não

estendendo

o

benefício

ao

companheiro.45

TEPEDINO, em Novas Formas de Entidades Familiares, afirma que família é:

[...] como ponto de referência central do indivíduo na sociedade; uma espécie de aspiração à solidariedade e à segurança que dificilmente pode ser substituída por qualquer outra forma de convivência social.46

Para BEVILÁQUA família é:

[...] o conjunto de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cuja eficácia se estende ora mais larga, ora mais restritamente, segundo as várias legislações. Outra vezes, porém, designam-se por família somente os cônjuges e a respectiva progênie. 47

DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007. p. 09-10; MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 03-04. 45 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007. p. 09-10; MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p. 03-04. 46 TEPEDINO, Gustavo. Novas Formas de entidades Familiares: efeitos do casamento e da família não fundada no matrimonio. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. p. 326. 47 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito de família. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1976, p.16. 44

15

PEREIRA48 ensina, em sentido genérico, que família “é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum”. Já em sentido estrito “a família é considerada o conjunto de pessoas unidas pelos laços do casamento e da filiação. Durante séculos, fora ela um organismo extenso e hierarquizado, mas sob a influência da lei da evolução, retraiuse, para se limitar a pais e filhos”.

Portanto, como se pode observar acima, o conceito de família ora é tido como algo limitado, sendo de fácil análise, ora como algo complexo, que pode ser observado de vários aspectos. E são justamente estas diferenças de interpretação, não só entre doutrinadores, mas também entre legislações, que torna mais polêmica a situação.

Se em algumas leis a definição de família é vaga ou vazia, em outras ela é restrita, porém, ampliadora do rol dos enquadrados por ela.

Como exemplo, cita-se a Legislação Previdenciária, que segundo a Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, assim determina:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II - os pais; III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2001, v.5, p.13-14.

48

16

Tal definição é acompanhada pela Lei 8.742, de 07.12.1993, também conhecida como Lei Orgânica de Assistência SocialLOAS, que em seu artigo 20, § 1º, assim estabelece:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família. § 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (nova redação dada pela Lei n.º 9.720/98). 49

Observa-se facilmente que as legislações supracitadas não se utilizam do conceito limitado de família, mas sim, daquele mais amplo possível, ainda que apresentem suas próprias restrições.

Nota-se, ao longo do tempo, que a conceituação de família foi evoluindo e se transformando, deixando de ser somente a família nuclear burguesa50 (pai, mãe e filhos) e passando a ser vista como algo muito mais abrangente.

Atualmente, tem-se que a família é um vínculo por afetividade, sendo imensamente valoradas as relações de sentimento e a intensidade das relações pessoais de seus membros.51 E, portanto, podem

BRASIL. Lei nº 8.742, de 07.12.1993. Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 dez. 1993. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8742.htm>. Acesso em 29 set. 2008. [sem grifo no original]. 50 CARVALHO, Maria do Carmo Brandt (Org.). A Família Contemporânea em Debate. São Paulo: EDUC/Cortez, 1995. p.26. 51 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família./ José Lamartine Correa de Oliveira e Francisco José Ferreira Muniz. 4º ed. 2004. Curitiba. Juruá. p. 169. 49

17

formar uma família “um homem e uma mulher e seus filhos biológicos, ou uma mulher, sua afilhada e um filho adotivo, ou qualquer outro arranjo.” 52

Neste mesmo sentir, pronuncia-se ALBUQUERQUE FILHO:

A menção a entidade familiar é feita no sentido de núcleo familiar, família no mais estrito sentido da palavra, abrangendo os mais diversos arranjos familiares, dentro de uma perspectiva pluralista, de respeito à dignidade da pessoa humana, com o significado, segundo o nosso entendimento, de unidade integrada pela possibilidade de manifestação de afeto, através da (con)vivência, publicidade e estabilidade.53

Nesta mesma esteira, coleciona-se observação feita por DIAS:

Inquestionável que a lei não consegue acompanhar o desenvolvimento social cada vez mais acentuado, sendo as relações afetivas as mais sensíveis à evolução dos valores e conceitos. Dada a aceleração com que se transforma a sociedade, elas escapam ao Direito positivado, não tendo o legislador condições de prever tudo que é digno de regramento.54

Em tempo, cabe trazer a baila prudente lição de CHANAN:

A família compreendida como entidade socioafetiva tem o dever de afeto e cooperação entre seus membros. A CARVALHO, Maria do Carmo Brandt (Org.). A Família Contemporânea em Debate, 1995, p.26. 53 ALBUQUERQUE FILHO, Carlos Cavalcanti de. Famílias simultâneas e concubinato adulterino. Disponível em < http://jus2.uol.com.br/DOUTRINA/TEXTO.ASP?ID=2839&P=1 >. Acesso em 30 de outubro de 2008. [sem grifo no original]. 54 DIAS, Maria Berenice. União Estável Homoafetiva. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, nº20. out/nov 2003, p. 46.[sem grifo no original] 52

18

solidariedade e a criação de condições ao desenvolvimento saudável do ser humano passam a ser valores importantes para a entidade familiar. No viés constitucional, evidenciam-se a concretização do direito à vida digna e o princípio da solidariedade (art.1, III, CF/1988). Esses fatores vieram modificar o significado de entidade familiar, ampliando o seu conceito. Surge a partir de então uma nova função para a unidade familiar, com base na realização da afetividade e da dignidade humana de cada um de seus membros.55

Deste modo, percebe-se que a família dos dias de hoje é formada por pessoas ligadas, inicialmente, pelo vínculo de afeto, sendo este importante ponto de estruturação familiar. Há, portanto, foco na qualidade das inter-relações, vez que se privilegia o melhor interesse da pessoa humana.56

1.3 CONTEÚDO DO DIREITO DE FAMÍLIA

Ao tratar do Direito de Família, ensina DINIZ: 57

[...] o ramo do direito civil concernente às relações entre pessoas unidas pelo matrimonio, pela união estável ou pelo parentesco e aos institutos complementares de direito protetivo ou assistencial, pois, embora a tutela e a curatela

CHANAN, Guilherme Giacomelli. As Entidades Familiares na Constituição Federal. Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre, nº42. junho/julho 2007, p. 47. [sem grifo no original] 56 DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter) secções do afeto e da lei. Disponível em . Acesso em: 27 out. 2008; LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em . Acesso em 30 de outubro de 2008. 57 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 4. 55

19

não advenham de relações familiares, têm, devido a sua finalidade, conexão com o direito de família.

Neste mesmo sentido, BEVILÁQUA assim enuncia:

Constitui o direito de família o complexo de normas que regulam a celebração do casamento, sua validade e os efeitos que dele resultam, as relações pessoais e econômicas da sociedade conjugal, a dissolução desta, a união estável, as relações entre pais e filhos, o vínculo do parentesco e os institutos complementares da tutela e curatela.58

Portanto, Direito de Família é aquele que regula as relações de amor, afinidade e parentesco entre as pessoas e protege os direitos daqueles que provêm destas uniões. Não obstante, o Direito de Família zela e protege a subsistência daqueles que não possam fazê-lo por si mesmos.

Assim,

o

Direito

de

Família

trata

das

questões

pertinentes ao casamento, à união estável, as relações de parentesco e aos institutos de direito protetivo59.

Ainda que cada autor possua suas próprias definições de Família e Direito de Família, todos são unânimes no fato de apontarem a Família como base da Sociedade e de afirmar que o Direito Constitucional é sem dúvida um dos pilares do Direito de Família.

1.4 PRINCÍPIOS DO DIREITO DE FAMÍLIA

58 59

BEVILÁQUA, Clovis. Código Civil comentado, 1ª ed., 1954, v.2, p.6. DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 05.

20

Assim como os demais ramos do Direito, o Direito de Família é regido por princípios que determinam sua base e seus valores. Importante destacar que as mudanças sociais, religiosas e econômicas foram alterando os princípios básicos do Direito de Família.

Sobre

tais

mudanças

sociais,

GONÇALVES

faz

importante apontamento:

O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se à evolução social e aos bons costumes, incorporando também as mudanças legislativas sobrevindas nas últimas décadas do século passado [...] As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se a família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade.60

No atual momento, imperam no Direito de Família os seguintes princípios61:

I. A Dignidade da Pessoa Humana:

Um dos pilares do ordenamento jurídico brasileiro, este princípio é também a base do Direito de Família e está previsto expressamente no artigo 1º da Carta Magna:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana; GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 4-5. [sem grifo no original] DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 17; GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 4-5.

60 61

21

Ressalta-se ainda, o contido no art. 226 do mesmo diploma legal:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Ensina DINIZ que a família:

[...] constitui base da comunidade familiar (biológica ou socioafetiva), garantindo, tendo por parâmetro a afetividade, o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente.62

Sobre este princípio, TEPEDINO afirma que:

[...] a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.63

Entende-se que uma relação entre pessoas, seja ela originada pelo afeto, sangue ou parentesco, deve sempre trilhar por caminhos que honrem os envolvidos. Ou seja, a relação conjugal deve ser

DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. TEPEDINO, Gustavo. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 6. [sem grifo no original] 62 63

22

benéfica e saudável para ambos os conviventes, não apenas durante a relação, mas também, quando esta atinge seu fim.64

II. Princípio da ratio do matrimonio e da união estável:

Também conhecido como Princípio da Afeição.

Sobre o referido princípio, assim explica DINIZ:

[...] o fundamento básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo é a afeição entre os cônjuges ou conviventes e a necessidade de que perdure completa comunhão de vida, sendo a ruptura da união estável, separação judicial e divórcio (CF, art. 226, §6º; CC, arts. 1.511 e 1.5.71 a 1.582) uma decorrência da extinção da affectio, uma vez que a comunhão espiritual e material de vida entre marido e mulher ou entre conviventes não pode ser mantida ou reconstituída. 65

Em

função

da

evolução

da

Família

e

as

transformações decorrentes, as relações pessoais não mais permitem haver a união sem que esta seja satisfatória para ambos os conviventes. Portanto, a afeição é o principio básico do casamento, da vida conjugal e do companheirismo.66

Segundo a CRFB/88, o Código Civil de 2002, a doutrina e a jurisprudência dominantes, tais relações afetivas só devem perdurar

DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 18. 66 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei No 10.406, de 10-01-2002– ed. – São Paulo: Atlas, 2002. p. 39. 64 65

23

enquanto houver o respeito e o afeto entre seus participantes, sob pena de não atingir a comunhão plena de vida. 67

III. Princípio da Liberdade:

O princípio da Liberdade, como a sua própria designação já assinala, é aquele que permite aos cidadãos tomarem as decisões concernentes à construção e manutenção familiar. Ou seja, é o poder de dispor, por seu livre arbítrio, da forma e planejamento que a família seguirá. E nesta liberdade inclui-se aquela de contrair casamento, constituir união estável ou mesmo de manter-se afastado destes institutos.68

Sobre tal liberdade, assim manifestaram-se LAMARTINE E MUNIZ:

[...] está presente em matéria matrimonial na liberdade de casar-se, na liberdade de escolha do cônjuge, e também, vistas as coisas pelo ângulo reverso, na liberdade de não se casar. 69

Assegurando tais liberdades, cita-se o art. 226 da Carta Magna:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento: antes e depois do novo código civil. 6ª. Ed. Atual. e ampl. – São Paulo: Editora Método, 2003. p. 44. 68 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. 69 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 126. 67

24

exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

E o art. 1.513 do C.C. Brasileiro:

Art. 1.513. É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.

Tem-se, respeitado os limites legais, um vasto leque de possibilidades, assegurado pela liberdade de escolha sobre a criação e manutenção da família.

IV. Princípio da Igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros:

Com base na igualdade dos sexos perante a nova Constituição Federal, o poder familiar também foi recepcionado pelo Direito de Família como sendo dever e poder de ambos os conviventes.

Sobre o tema, coleciona-se curioso apontamento de MONTEIRO:

Os direitos de ambos os cônjuges são exatamente os mesmos; apenas por questão de unidade na direção dos assuntos domésticos, indispensável à boa ordem familiar, entrega-se ao marido a autoridade dirigente, destinada a coibir discórdias que fatalmente surgiriam com a dualidade de orientações. 70

Contrariando o exposto acima e corroborada pela Doutrina dominante, DINIZ afirma que:

70

MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.124.

25

[...] desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre convivente ou entre marido e mulher [...] não mais justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. 71

Portanto, não existe mais a figura do chefe de família tampouco

a

expressão

poder

marital.

Ambos

os

cônjuges,

ou

companheiros, devem tomar as decisões de forma conjunta, não se admitindo mais a submissão da mulher diante do homem. 72

V. Princípio da Igualdade jurídica de todos os filhos:

De acordo com a Carta Magna, o Código Civil de 2002 determinou não haver diferenciação entre os filhos. Portanto, gozam dos mesmos direitos os filhos que surgiram do matrimônio, fora dele ou de adoção. Todos eles possuem direito ao nome, alimentos e sucessão em total igualdade de direitos. 73

Tal princípio está previsto no art. 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 18-19. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 40, 43. 73 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 21. 71 72

26

§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

Corroborando o supracitado artigo, o C.C., em seus artigos 1.596 a 1.629, consagra o impedimento de distinção entre os filhos.

Além de garantir a equiparação de direitos, a legislação brasileira impede que seja feita qualquer diferenciação no trato ou na designação dos filhos. Ou seja, é proibida a colocação de qualquer termo, seja na Certidão de Nascimento, seja no Registro de Identificação, que transmita a informação da origem da filiação.

Conclui-se, portanto, que desaparece do mundo jurídico o termo filho ilegítimo, uma vez que tal desígnio é termo discriminatório.74

VI. Princípio do Pluralismo Familiar:

É o reconhecimento, pelo Diploma Constitucional, de entidades familiares não provenientes do casamento.75

Tais entidades, mais precisamente a união estável e a família monoparental, encontravam-se à margem do direito. Porém, com a promulgação da CF/88 (art.226, §3º e §4º) elas foram recepcionadas e hoje gozam da proteção legal.

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 29. 75 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 21. 74

27

familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Entretanto, ainda que a Constituição seja do ano de 1988 e o atual código civil, de 2002, não há regra disciplinadora da família monoparental. Tal instituto foi completamente esquecido pelo legislador.76

Gozando de um pouco mais de regulamentação, denota-se que a união estável possui ordenamentos específicos e separados (Lei 8.971/94 e Lei 9.278/96) não possuindo, porém, a mesma receptividade no Código Civil de 2002, vez que se originou das reformas aprovadas no Senado Federal.77

VII. Princípio da Consagração do Poder Familiar:

Em conformidade com os princípios da dignidade da pessoa humana e igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, o Princípio da Consagração do Poder Familiar atribui ao casal o controle da família. Não mais existem mais as expressões poder marital ou poder paterno.78

Procurando

definir

o

poder/dever

consagrado,

MONTEIRO afirma que “é o conjunto de obrigações, a cargo dos pais, no tocante à pessoa e bens dos filhos menores.” 79

DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 21. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 101-102. 78 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 22. 79 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.284. 76 77

28

Portanto,

o

dever

poder

é

dividido

entre

os

conviventes, não havendo qualquer preferência ou favorecimento a qualquer um deles.

VIII. Princípio da Monogamia:

Originado pelos ditames religiosos, a Monogamia é o princípio jurídico que determina que uma pessoa pode casar80 ou manter uma união estável com apenas uma outra pessoa.

Sobre a monogamia, MONTEIRO ensina que:

Em todos os países em que domina a civilização cristã, a família tem base estritamente monogâmica, que, no dizer de Clóvis, é o modo de união conjugal mais puro, mais conforme os fins culturais da sociedade e mais apropriado à conservação individual, tanto para os cônjuges como para a prole. A monogamia constitui a forma natural de aproximação sexual da raça humana. 81

O C.C., ao tratar dos direitos de ambos os cônjuges, assim determina:

Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca;

Para DINIZ, tal dever consiste em “abster-se cada consorte de praticar relações sexuais com terceiro.” 82

CAHALI, Yussef Said (coord.). Família e Casamento: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 302. 81 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p. 54. 82 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 127. 80

29

Já PEREIRA83 afirma que é “[...] princípio jurídico ordenador da sociedade. Todo o Direito de Família está organizado em torno desse princípio, que funciona, também, como um ponto-chave das conexões morais.”

Sobre a recepção do citado princípio no Direito de Família brasileiro, DINIZ afirma que “nossa ordem jurídica consagra a monogamia, cuja violação autoriza a aplicação de duas sanções: a nulidade do ato praticado e a pena ao violador.” 84

Este princípio é justamente o objeto principal de estudo deste trabalho. Por haver grandes mudanças no entendimento sobre os componentes familiares e sobre a estrutura da família, criaram-se divergências entre os princípios norteadores da Família.

Ou seja, enquanto alguns princípios sugerem que a família é mais do que o casamento e sim uma entidade que une pessoas pelo seu afeto e respeito, há o princípio da monogamia afirmando que, ainda que exista carinho, afeto e respeito entre vários conviventes, só é aceita a união de uma pessoa com outra, não havendo a possibilidade de aceitação de um terceiro (ou mais) convivente(s).

No Capítulo seguinte, realiza-se o estudo das formas de famílias reconhecidas constitucionalmente.

DIAS, Maria Berenice; PEREIRA (Coord.); Rodrigo da Cunha (Coord.). Direito de família e o novo Código Civil. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.p.231. 84 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 43. 83

30

CAPÍTULO 2

DAS ENTIDADES FAMILIARES EXPRESSAMENTE CONSTITUCIONALIZADAS

2.1 PREVISÃO CONSTTITUCIONAL

Conforme já relatado, o Instituto da Família sofreu diversas modificações durante os séculos. Em função delas o Direito foi estabelecendo regras, direitos e deveres para a Sociedade, sempre obedecendo às necessidades e carências de sua época. 85

Porém, conforme ficará demonstrado a seguir, essas mudanças, por diversas vezes, foram realizadas tardiamente, quando a situação vivida pela sociedade era insustentável e o clamor popular já não podia ser simplesmente ignorado.

Neste

contexto,

sobre

o

estudo

das

Entidades

Familiares, deve-se primeiramente fazer distinção do que foi absorvido pela CRFB/88 e do que não contemplado. Conforme o artigo 226 da CRFB/88:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. PESSOA, Claudia Grieco Tabosa. Efeitos Patrimoniais do Concubinato. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 7-9; OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 12; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável. 6 ed. rev, atual e ampl -Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p.12. 85

31

§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Logo,

têm-se

como

figuras

contempladas

na

Constituição: o casamento civil, a união estável e a família monoparental.

Registra-se que o estudo das entidades familiares neste capítulo não possui a pretensão de esgotar o tema referente a cada uma delas, mas apenas destacar os aspectos mais relevantes que suscitam interesse para o objeto principal da presente pesquisa.

2.2 CASAMENTO

O

Casamento

é

a

forma

mais

tradicional

de

constituição de Família. Até a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, era a única forma legal de união familiar. Com as mudanças advindas da nova Constituição, o casamento tornouse a figura familiar mais importante, porém deixou de ser figura única. 86

No Código Civil Brasileiro, o casamento está assim definido:

Art. 1.511. O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, p. 06; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p.37.

86

32

Importante ressaltar esta evolução no ordenamento jurídico pátrio, que afastou a diferença entre os cônjuges. Anteriormente, era nítida a distinção dos poderes, direitos e deveres entre o homem e a mulher. Tanto era assim que cada um possuía um capítulo separado. Ao marido era atribuída a figura de “chefe da sociedade conjugal” enquanto à mulher era reservado o papel de “companheira, consorte e colaboradora”. Conforme o artigo 1.565, do atual C.C., “homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família”.87

Segundo AZEVEDO88, o casamento “nada mais é do que um elo espiritual, que une os esposos, sob a égide da moralidade e do direito”.

O casamento pode ser civil ou religioso. Inicialmente, em virtude da pressão da Igreja Católica, o Estado admitia apenas o casamento religioso. Era, portanto, a religião influenciando os atos jurídicos. Tal situação perdurou até o surgimento da República, quando finalmente criou-se a figura do Casamento Civil. 89

De acordo com CRFB/88, o casamento religioso tem os mesmos efeitos que o casamento civil, conforme o § 2º do supracitado artigo constitucional.

Para PEREIRA:

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 40. 88 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 21. 89 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 50; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 37. 87

33

O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob a promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida.90

Já para BEVILÁQUA:

O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole, que de ambos nascer.91

Sobre o casamento civil, ensina OLIVEIRA:

O casamento civil é ato solene em que o Estado intervém desde a habilitação, para controle da inexistência de impedimentos, até a celebração por autoridade competente. Caracteriza-se como contrato, porque resultante do necessário consentimento dos contraentes, mas depende, ainda, da final declaração do celebrante, de que se acham casados na forma da lei. Para ter eficácia erga omnes, efetua-se o registro do casamento no Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais, extraindo-se a certidão que constitui prova do ato. 92

Assim como prudentemente salientou o Doutrinador, é necessário que exista o registro para que seja efetivo o casamento. Nesta mesma regra se enquadra o casamento religioso que, apesar de ter sua

PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 22. [sem grifo no original] 91 BEVILÁQUA, Clóvis. Apud Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 23. [sem grifo no original] 92 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 37-38. [sem grifo no original] 90

34

garantia de reconhecimento como se civil fosse, exige sua habilitação e registro no Registro Civil das Pessoas Naturais.93

Sobre

o casamento religioso e

seu caráter de

sacramento, PEREIRA assim aduz:

[...] um homem e uma mulher selam a sua união sob as bênçãos do céu, transformando-se numa só entidade física e espiritual (caro una, uma só carne) e de maneira indissolúvel (quos Deus coniunxit, homo non separet).94

Em tempo, necessário é trazer a conceituação da natureza jurídica do casamento.

São duas as correntes doutrinárias que definem a natureza jurídica: a individualista e a supra-individualista.

A primeira corrente, também chamada de clássica ou contratualista, afirma que o casamento é uma relação puramente contratual.95

Segundo GONÇALVES:

Tal concepção representava uma reação à idéia de caráter religioso que vislumbrava no casamento um sacramento. Segundo os seus adeptos, aplicavam-se aos casamentos as regras comuns a todos os contratos. Assim, o consentimento dos contraentes constituía elemento essencial de sua celebração e, sendo contrato, certamente poderia dissolver-se por um distrato.96 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 141. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 22. 95 MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 12. 96 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 24. 93 94

35

Nesta mesma esteira, PONTES DE MIRANDA afirma que “casamento é o contrato de direito de família que regula a união entre marido e mulher”.97



a

segunda

corrente

doutrinária,

a

supra-

individualista, ou institucionalista, defende a idéia de que o casamento não importa ao indivíduo, mas sim à sociedade. 98

MONTEIRO, citando SALVAT aduz que:

As pessoas que o contraem [...] têm liberdade de realizá-lo, ou não; uma vez que decidem, porém, a vontade delas se alheia e só a lei impera na regulamentação de suas relações, A vontade individual é livre para fazer surgir a relação, mas não pode alterar a disciplina estatuída pela lei.99

Portanto, o casamento seria uma instituição, na qual o cidadão teria apenas a faculdade de aderir, não possuindo poderes ou direitos para mudá-lo ou alterá-lo.100

2.2.1 Da capacidade para contrair casamento

Como já relatado, o Casamento é a regra geral, tanto no C.C. como na CRFB/88, possuindo requisitos, deveres e direitos.

Segundo o artigo 1.517 do C.C., a capacidade está assim definida: PONTES DE MIRANDA Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 24. GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 23; MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 13. 99 SALVAT Apud MONTEIRO, Curso de direito civil., 1997, p. 13. 100 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 25. 97 98

36

Art. 1.517. O homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil.

A capacidade para contrair o casamento, para o homem e para a mulher, inicia-se aos 16 anos, desde que

devidamente

autorizados pelos seus pais. Portanto, tal capacidade é limitada. Somente aos 18 anos, quando atingem a capacidade civil, é que se tornam plenamente capazes para o ato, não necessitando de autorização alguma.101

Apesar de ter evoluído nas questões de capacidade, o atual

Código

Civil

ainda

apresenta

sinais

que

demonstram

a

preocupação do Legislador em manter a moral e os bons costumes. Anteriormente, à luz do Código Civil de 1916, eram impedidos de casar a mulher menor de 16 e o homem menor de 18 anos. Cabe aqui ressaltar que a maioridade civil era de 21 anos. Com a nova legislação, o atual Código Civil iguala o quesito idade para ambos os cônjuges, porém, faz a ressalva de que:

Art. 1.520. Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou a idade núbil (art. 1517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de gravidez.

Ora,

se

o

ilustre

Legislador

tornou

criminosa

determinada atitude, como pode este mesmo Legislador considerar afastada a criminalidade caso o outrora criminoso contraia núpcias com a suposta vítima. Trata-se de pessoa que não possui idade suficiente para

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 47.

101

37

contrair núpcias, ou seja, possui idade inferior a 16 anos. Em tal idade, a criança é completamente dependente de seus pais.102

Portanto, verifica-se que este artigo é nitidamente um recurso para restaurar a honra, supostamente perdida. O casamento não pode ser ferramenta de descriminalização tampouco de moralização. O casamento deve ser fruto da vontade de ambos os nubentes, fruto de amor e respeito mútuo.103 Logo, percebe-se que tal união teve um início falho, com motivações diferentes daquelas que se julgam adequadas, correndo grande risco de acabar em uma malfadada convivência.

Procurando solucionar tal problema, o legislador, através da Lei 11.106, de 20.03.2005, revogou os incisos do artigo do Código Penal que permitiam tal benesse. Eram eles:

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: VII - pelo casamento do agente com a vítima, nos crimes contra os costumes, definidos nos Capítulos I, II e III do Título VI da Parte Especial deste Código; VIII - pelo casamento da vítima com terceiro, nos crimes referidos no inciso anterior, se cometidos sem violência real ou grave ameaça e desde que a ofendida não requeira o prosseguimento do inquérito policial ou da ação penal no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da celebração.

Como se pôde observar, o atual Código Civil, apesar de ter sido concluído em 2002, ou seja, uma legislação considerada nova, foi preciso uma nova Lei para impedir que flagrante inconstitucionalidade perpetuasse em nosso ordenamento.

102 103

OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 192. AZEVEDO, Estatuto da família de fato, p. 21.

38

2.2.2 Das causas impeditivas e suspensivas

Segundo DINIZ, o C.C.:

[...] subordina o matrimônio a certos requisitos, proibindo quem não se encontrar nas condições nele arroladas de convolar núpcias. Trata desse tema sob o nomen juris de impedimento e de causa suspensiva, sem contudo definilos.104

Procurando

definir

os

impedimentos,

assim

se

manifestou OLIVEIRA:

Consideram-se impedimentos matrimoniais certas condições pessoais ou circunstâncias objetivas que vedam a realização do casamento. São verificadas mediante o processo prévio de habilitação (arts. 180 do CC/16 e 1.535 do NCC). 105

Apesar de haver mais impedimentos no código civil de 1916 (havia dezesseis impedimentos) o atual código civil está longe de ter tornado menos rígidas as questões matrimoniais. Há impedimentos em função do parentesco, de vínculo e de crime. 106

Tais impedimentos encontram-se no artigo 1.521 de nosso C.C.:

Art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 64. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 48. 106 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 67; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 48-49. 104 105

39

II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Desta

forma,

verifica-se

um

excesso

de

regulamentação quando deveria haver, seguindo a mesma linha de outros textos legais, uma maior autonomia e liberdade.

Quanto aos primeiros impedimentos, os de parentesco, incisos I a V, segundo OLIVEIRA107, “advém das questões morais e eugênicas”. Neste mesmo sentido manifestam-se LAMARTINE E MUNIZ108, quando afirmam que “seu fundamento corresponde a sentimentos de natureza ética, a valores culturais extraordinariamente vividos pela humanidade. A consciência das considerações de ordem eugênica viria posteriormente acrescentar suporte adicional a essas normas.”

PEREIRA, sobre o impedimento de casamento entre os consangüíneos, faz importante apontamento:

A primeira lei de qualquer organização social é uma lei do Direito de Família: a proibição do incesto. Esta é a lei básica e estruturadora das relações sociais. E somente a partir deste interdito que alguém pode tornar-se sujeito. É com esta interdição primeira que se faz possível a passagem do estado de natureza para a cultura e, conseqüentemente,

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 49. 108 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 169. 107

40

estabelecem-se as relações sociais e os ordenamentos jurídicos.109

Além da razão moral, os impedimentos em função do parentesco possuem razão médica. É o que sabiamente explica DINIZ:

A proibição do casamento em virtude de parentesco ou de afinidade – tem-se em razão de ordem fisiológica, já que matrimonio entre parentes próximos é desfavorável à melhoria da raça [...] 110

Neste mesmo rol de impedimentos, apesar de não terem relação de sangue, encontram-se também proibidos de casar os parentes por afinidade (inciso II) e os por adoção (incisos III e V).111

Quanto ao impedimento em razão de vínculo, nada mais é do que o impedimento que previne a bigamia em nosso sistema.112

Sobre o tema, ensina DINIZ:

Proibida está de se casar pessoa vinculada a matrimonio anterior válido (CC, art. 1.521, VI). É óbvio que não é o fato de já se ter antes casado qualquer dos consortes, mas o de ser casado. Subsistindo o primeiro casamento válido, não se pode contrair um segundo. 113

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito, Amor e Sexualidade.In:A Família na Travessia do Milênio, Anais do II Congresso Brasileiro de Direito de Família, IBDFAM, Belo Horizonte, 2000, p. 53/59. Disponível em . Acesso em 25 de outubro de 2008. 110 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 60. 111 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p.67-73; MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.50. 112 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p.73; MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p.53. 113 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 73. 109

41

Já o último impedimento, em razão de crime, proíbe de casar cônjuge sobrevivente com o homicida de seu consorte.114 Ora, antes de possuir caráter patrimonial, o casamento possui caráter afetivo.115 Portanto, ainda que estranho pareça aos olhos da sociedade, se assim for o desejo de ambos, não deveria haver limitação legal.

Ressalta-se que neste impedimento, o Codex não faz qualquer referência à participação ou conluio, simplesmente presumindoos.

Tendo sido gerado em função do conjugicídio, previsto no decreto 181 de 1890 (art. 7º,§4º), o impedimento em função do crime necessitava da condenação do cônjuge sobrevivente e da participação do terceiro no crime. Sem a participação ou conluio, não havia impedimento.116

Portanto,

no

texto

legal

de

1890

havia

uma

especificação maior quanto ao impedimento, visando garantir, com certeza, que não fossem realizadas injustiças.

Quanto às questões patrimoniais do falecido, estas devem ser tratadas separadamente, não merecendo ser confundidas com as questões do casamento. Sobre tal assertiva, cabe ressaltar importante lição de DINIZ:

Porém é preciso deixar bem claro que o direito de família, em qualquer uma de suas partes (direito matrimonial, convivencial, parental ou tutelar), não tem conteúdo econômico, a não ser indiretamente, no que concerne ao DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 75. DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 04. 116 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 184185. 114 115

42

regime de bens entre os cônjuges ou conviventes, à obrigação alimentar entre parentes, ao usufruto dos pais sobre os bens dos filhos menores, à administração dos bens dos incapazes, e que apenas aparentemente assume a fisionomia de direito real ou obrigacional.117

Este impedimento afeta, diretamente, questões de liberdade e foro íntimo, não possuindo o Estado poder de intervir em tais assuntos.118

Entretanto, a doutrina se posiciona de forma a preservar a moral e os bons costumes. Neste sentir, DINIZ, citando BEVILÁQUA:

O homicídio ou tentativa de homicídio contra a pessoa de um dos cônjuges deve criar uma invencível incompatibilidade entre o outro cônjuge e o criminoso, que lhe destruiu o lar e afeições, que deveriam ser muito caras. Se esta repugnância não surge espontânea, é de supor conivência no crime. Poderá ser ausência de sentimentos de piedade para com o morto, ou estima para consigo mesmo, mas em grau tão subido que, se a cumplicidade não existiu, houve a aprovação do crime, igualmente imoral. E, nesta hipótese, a lei não ferirá um inocente, quer haja co- delinqüência, quer simples aprovação do ato criminoso.119

BEVILÁQUA,

que

flagrantemente

demonstra

sua

repulsa aos casos impedidos em virtude de crime, foi autor do projeto que deu origem ao Código Civil de 1916. Portanto, mais do que natural sua posição favorável ao impedimento.120 Entretanto, tal código é o mesmo que incluiu a ressalva que permitia o casamento de menores a fim evitar a DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 04-05. AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 269. 119 BEVILÁQUA, Clóvis. Apud DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 75. 120 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p.184185. 117 118

43

imposição ou o cumprimento da pena criminal (CC/16 art. 240). Tem-se, portanto, contrariedade e uma incoerência em relação aos pesos e medidas dados as questões de moralidade.

Ainda, o C.C. traz causas que suspendem o Direito ao casamento:

Art. 1.523. Não devem casar: I - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros; II - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal; III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal; IV - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Anteriormente

chamadas

de

Impedimentos

Impedientes ou proibitórios (CC/16, art. 183, XIII, XVI), as causas suspensivas são “determinadas circunstâncias pessoais, de caráter temporário, que não impedem propriamente o casamento, enquanto não vencidos os óbices ou na pendência de autorização judicial.” 121

LAMARTINE E MUNIZ afirmam que tais causas são “relevantes como proibições de celebração do casamento, mas, se o casamento vier a celebrar-se, não o tornam nulo ou anulável.” 122

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 51-52. 122 OLIVEIRA, José Lamartine Correa de. Curso de direito de família, 2004, p. 206. 121

44

Assim sendo, por não ter o mesmo poder de restrição que os impedimentos, as causas suspensivas podem ser superadas.

No caso da viúva que possuir filho com falecido, esta está impedida de casar caso não tenha sido realizado, ainda, o inventário dos bens e a partilha aos herdeiros. Em caso de celebração, o novo casamento terá como regime o da separação, sem a comunhão dos aqüestos123 e será promovida hipoteca legal dos bens imóveis da viúva em favor dos filhos.124 Entretanto, tal suspensão pode ser sanada se comprovado não haver bens a inventariar, vez que tal previsão jurídica visa proteger o direito dos filhos aos bens de seu pai.125

Já no caso previsto no inciso II do artigo 1.523, a intenção do legislador é evitar a confusão de sangue (turbatio sanguinis). Uma vez que a viúva, caso dê a luz a um filho, este pode ser filho do falecido ou do novo cônjuge. Em razão disso, é proibido o casamento neste caso. Entretanto, caso a viúva tenha um filho neste período, este será, presumidamente, filho do falecido, por força do artigo 1.598 do mesmo diploma legal.126

Art. 1.598. Salvo prova em contrário, se, antes de decorrido o prazo previsto no inciso II do art. 1.523, a mulher contrair novas núpcias e lhe nascer algum filho, este se presume do primeiro marido, se nascido dentro dos trezentos dias a contar da data do falecimento deste e, do segundo, se o nascimento ocorrer após esse período e já decorrido o prazo a que se refere o inciso I do art. 1597.

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 53. 124 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 76. 125 MONTEIRO, Curso de direito civil, 1997, p. 59; RT-Revista dos Tribunais, 141/609 – 158/797. 126 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 76-77. 123

45

Esta causa suspensiva pode ser afastada também pela comprovação de inexistência de gravidez, vez que, novamente, a intenção do legislador era o de proteger o direito do menor.127

Há ainda a suspensão do casamento no caso de não ter sido, ainda, homologada ou decidida a partilha de bens do casal, visando,

portanto,

evitar

a

confusão

patrimonial

das

sociedades

conjugais.128

E por ultimo, é causa suspensiva do casamento o fato de não ter cessado a tutela ou curatela quando do casamento do tutelado ou curatelado com seu tutor ou curador, respectivamente e enquanto não estiverem saldadas as respectivas contas. Nesta causa ainda inclui-se os descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados e sobrinhos. OLIVEIRA afirma que esta “proteção direciona-se aos menores ou incapazes que possuam bens suscetíveis de eventual cobiça dos seus representantes legais”.129

Além destes casos expressos no C.C., há ainda aqueles previstos em legislações específicas, que determinam a necessidade de autorização de terceiros para casar. Cita-se, a título de exemplo, o caso dos militares da ativa e os da reserva convocados, que só poderão casar com a autorização de seu superior130

2.2.3 Da prévia habilitação

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 52. 128 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 77. 129 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 52. 130 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 79. 127

46

Conforme

anotado

anteriormente,

o

casamento

pressupõe, primeiramente, que se faça a habilitação, nos moldes dos artigos 1.525 a 1.532 do atual C.C..

Sobre a habilitação matrimonial, OLIVEIRA ensina que “constitui providencia preliminar do casamento civil, para verificação da inexistência de impedimentos.” 131

Determina, portanto, o artigo 1.525 do C.C.:

Art. 1.525. O requerimento de habilitação para o casamento será firmado por ambos os nubentes, de próprio punho, ou, a seu pedido, por procurador, e deve ser instruído com os seguintes documentos: I - certidão de nascimento ou documento equivalente; II - autorização por escrito das pessoas sob cuja dependência legal estiverem, ou ato judicial que a supra; III - declaração de duas testemunhas maiores, parentes ou não, que atestem conhecê-los e afirmem não existir impedimento que os iniba de casar; IV - declaração do estado civil, do domicílio e da residência atual dos contraentes e de seus pais, se forem conhecidos; V - certidão de óbito do cônjuge falecido, de sentença declaratória de nulidade ou de anulação de casamento, transitada em julgado, ou do registro da sentença de divórcio.

Conforme se observa no supracitado artigo, a vasta gama de documentos solicitados demonstra o grau de formalidade que possui o casamento.132

Após apresentado o requerimento ao Oficial do Registro Civil, acompanhado dos documentos legais solicitados, será OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 53. 132 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 86. 131

47

realizada audiência com o Ministério Público e após, homologado pelo Juiz, tudo conforme o art. 1.526 do C.C.:

Art. 1.526. A habilitação será feita perante o oficial do Registro Civil e, após a audiência do Ministério Público, será homologada pelo juiz.

Devidamente solucionadas as etapas anteriores, o oficial “extrairá o edital, que se afixará durante quinze dias nas circunscrições

do

Registro

Civil

de

ambos

os

nubentes,

e,

obrigatoriamente, se publicará na imprensa local, se houver”, conforme o art. 1.527 do mesmo diploma legal.

Tal

edital

serve

para

oportunizar

a

sociedade

apresentar impedimentos ou causas suspensivas, assim como suas provas. Concluído este período e nada tendo sido apresentado, o Oficial do Registro Civil extrairá o certificado de habilitação, válido por 90 dias a contar desta data. 133

2.2.4 Da celebração do casamento

Devidamente habilitados, os cônjuges então devem celebrar o casamento. Quando se fala que tal instituto é solene e formal é porque o Legislador disponibilizou um capítulo inteiro do C.C. para tratar da Celebração do mesmo. Os artigos 1.533 a 1.542 especificam como deve ser a cerimônia e todos os demais requisitos.134

Sobre o tema, OLIVEIRA faz interessante resumo sobre o tema: DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 94; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 54. 134 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 98. 133

48

Sem grandes alterações com relação ao Código Civil de 1916 (arts. 192 a 201), o NOVO CÓDIGO CIVIL cuida da celebração nos arts. 1.533 a 1.542, com indicação das formalidades: realização na casa das audiências (cartório), ou em edifício particular, a portas abertas, sob a presidência da autoridade (juiz de casamentos, ou juiz de paz), presentes os contraentes (por si ou por procurador com poderes especiais) e duas testemunhas, ou quatro, se um dos contraentes não puder ou não souber assinar. Ouvida aos nubentes a afirmação de que pretendem casar por livre e espontânea vontade, o celebrante declarará efetuado o casamento com as palavras rituais de praxe. 135

Após, será lavrado o assento no livro dos casamentos. Novamente, o código atribui formalidades que devem ser respeitadas e estas se encontram elencadas no art. 1.536 do C.C.:

Art. 1.536. Do casamento, logo depois de celebrado, lavrarse-á o assento no livro de registro. No assento, assinado pelo presidente do ato, pelos cônjuges, as testemunhas, e o oficial do registro, serão exarados: I - os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento, profissão, domicílio e residência atual dos cônjuges; II - os prenomes, sobrenomes, datas de nascimento ou de morte, domicílio e residência atual dos pais; III - o prenome e sobrenome do cônjuge precedente e a data da dissolução do casamento anterior; IV - a data da publicação dos proclamas e da celebração do casamento; V - a relação dos documentos apresentados ao oficial do registro; VI - o prenome, sobrenome, profissão, domicílio e residência atual das testemunhas; VII - o regime do casamento, com a declaração da data e do cartório em cujas notas foi lavrada a escritura

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 54-55.

135

49

antenupcial, quando o regime não for o da comunhão parcial, ou o obrigatoriamente estabelecido

Portanto, no assento deverá constar a assinatura do presidente do ato, dos cônjuges, das testemunhas e do oficial de registro. Constarão, ainda, informações sobre a qualificação dos cônjuges, qualificação dos pais, qualificação das testemunhas, o regime de bens adotados, informações acerca do nome adotado pelos cônjuges e demais requisitos elencados no art. 1.536 do C.C..136

2.2.5 Das provas do casamento

Conforme o próprio C.C., a prova plena da ocorrência do casamento é a certidão do registro. Tal critério é rigoroso, tanto o é que, aquele que celebrou o casamento em outro país, deverá registrá-lo em até 180 dias, a contar do retorno de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do domicílio do registrado ou, em sua falta, no 1º oficio da Capital do Estado em que passaram a residir, para que este casamento produza efeitos jurídicos no Brasil.137

Entretanto, o presente codex faz breves ressalvas, atribuindo outras possibilidades àqueles que não mais possuem a certidão de registro de casamento.

Primeiramente, o código aponta que é admissível qualquer meio de prova. Tal benesse é aplicável nos casos de falta de registro de casamento em função da perda ou extravio. Como bem explica OLIVEIRA: 136 137

DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 102. DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 102.

50

Não se trata, por obvio, da simples perda da certidão, que há de ser substituída por segunda via, mas sim de desaparecimento do próprio registro, seja do livro ou do cartório onde efetuado o lançamento.138

Neste mesmo sentir, assim se manifesta AZEVEDO:

[...] desde que reste justificada a falta ou perda do registro civil, por exemplo, em razão de uma guerra, de um fenômeno natural ou de um incêndio, admite o legislador que se comprove o casamento por qualquer outra espécie de prova, inclusive testemunhal, evidenciando-se pela posse do estado de casado. 139

Entretanto, as doutrinas e jurisprudências dominantes afirmam que não resolve apenas a comprovação do estado de casado, que são “pessoas efetivamente casadas, que ostentam publicamente essa qualidade sem dispor de documento probatório”

140.

Portanto, sugere

a Doutrina a apresentação dos seguintes requisitos: •

tratactus: que seria a atitude, de ambos os

cônjuges, de se tratarem em público como se marido e mulher fossem.141 •

Fama: “consiste no trato afeiçoado à notoriedade,

e que levam todos a desenvolver, para com essas pessoas, as mesmas

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 56. 139 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p.128. 140 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 141 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 138

51

atitudes e consideração que dedicam às pessoas casadas, inspirando a boa fé de todos”142 •

Nomem: ostentação do nome do marido pela

mulher, pois, não sendo obrigatória, faz Indício de prova.143

Ainda,

segundo

o

entendimento

de

alguns

doutrinadores, seria possível a utilização da comprovação more uxório nos casos em que não mais é possível se extrair dos cônjuges sua expressão de vontade, seja pela sua impossibilidade ou pelo seu falecimento, como explica PEREIRA:

[...] nunca será dado considerar existente o status matrimonii pelo fato de conviverem e coabitarem duas pessoas, e até de terem filhos. Vale, porém, a prova da posse de estado para sanar qualquer falha no respectivo assento. E vale, ainda, em benefício da prole. Em principio, a posse do estado somente pode invocar-se como prova matrimonial em caráter de exceção. 144

Logo, a comprovação do casamento deve ir além da mera comprovação de more uxório. Entretanto, quando houver prova de casamento e esta apresentar incoerências ou outra falha qualquer, a Doutrina admite que, nesses casos, a posse de estado de casado “sana qualquer defeito de forma” 145

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 143 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 57. 144 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Apud AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 133. 145 Anteprojeto de código civil. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1963. In: AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 130. 142

52

Além deste, nos casos em que houver necessidade de proteger o direito da prole, que nada deve comprovar, poderá ser utilizada a mesma prova.146

Ressalta a Doutrina que nos casos em que houver vício que invalida o casamento, não poderá ser utilizada a mera comprovação de coabitação uma vez que tal situação não se sobrepõe aos direitos e deveres assim garantidos em nosso ordenamento jurídico.147

2.3 UNIÃO ESTÁVEL De todas as entidades familiares esta é sem dúvida a que mais gera dúvidas e polêmicas, sendo, ainda, mal vista por grande parte da população.148

2.3.1 Conceito e evolução histórica

O conceito de União Estável, apesar de próximo, não é unânime entre os doutrinadores. Ao longo dos anos, a União Estável, também chamada de Concubinato não adulterino ou puro149, foi sendo recepcionada de formas diferentes pelos doutrinadores e legisladores.

Ainda com resquícios das definições clássicas de família e casamento, Pinto Ferreira entendia que:

AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 133. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 58. 148 PEREIRA, Rodrigo da Cunha, Concubinato e União Estável, 2001, p. 01-02; AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 268. 149 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 73-74. 146 147

53

[...] constitui União Estável a união prolongada do homem com a mulher, vivendo ou não sob o mesmo teto, sem vínculo pelos laços de casamento, revestindo-se porém, tal união, de algum requisito como a notoriedade, fidelidade da mulher e continuidade de relacionamento sexual. 150

Logo, verifica-se que havia, ainda nessa época (1980), um sentimento muito próximo do que era a família patriarcal e as primeiras famílias monogâmicas, sendo a fidelidade obrigação somente do sexo feminino.

Já para PEREIRA união estável é:

[...] a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não-adulterina e não-incestuosa, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, constituindo família sem o vínculo do casamento civil. 151

Portanto, tem-se que a união estável é uma relação afetiva próxima ao casamento, não sofrendo, porém, suas restrições formais, mas ainda, mantendo certos requisitos em comum.152

2.3.2 Regulamentação da união estável antes do código civil de 2002.

Durante muito tempo, antes da promulgação da CF/88, a união estável não possuía qualquer reconhecimento por parte do

FERREIRA, Pinto. Investigação de Paternidade, Concubinato e Alimentos. 1980, p. 113. 151 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 29. 152 DINIZ, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2007, p. 368-369; AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 270. 150

54

ordenamento jurídico pátrio. Aliás, as poucas referências a sua existência eram para atribuir restrições.153

Inicialmente, a União Estável passou a ser considerada pela doutrina e pela jurisprudência. 154 Somente ganhou reconhecimento legislativo com a promulgação da CF/88, sendo, portanto, incluída no artigo 226, destinado a família e considerada como entidade familiar.155

Entretanto, não havia no Código Civil de 1916 dispositivos que regulamentassem a União Estável, sendo necessário, portanto, que uma nova Lei infraconstitucional definisse seus parâmetros e delimitações.156

Por esta razão, em 29 de dezembro de 1994, foi promulgada a Lei 8.971, que regula o direito dos companheiros a alimentos e à sucessão. Em seus artigos, esta Lei delimitava que “a situação de companheiros, para fins dos direitos decorrentes da união estável, à situação de convivência entre homem e mulher, solteiros, separados judicialmente, divorciados, ou viúvos, por mais de cinco anos, ou com prole dessa união.” 157

Ocorre que a supracitada Lei não tornou mais clara a situação dos companheiros, visto que se limitou a conceituá-la e atribuir direitos de alimentos e sucessão. Possuindo apenas 5 artigos, a Lei 8.971

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 74-75 e 87; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 97. 154 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 76 155 AZEVEDO, Estatuto da família de fato, 2002, p. 268. 156 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 540-541; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 74. 157 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 89. 153

55

deixou de esclarecer outras situações, como por exemplo, como seria facilitada a conversão de União Estável em Casamento.158 Além disso, atribuiu requisitos que não mereciam guarida, como o de prazo mínimo de convivência, uma vez que a CF/88 não faz, em qualquer momento, essa restrição. 159

Além disso, parte da doutrina faz críticas ferrenhas ao texto legal, afirmando conter não só equívocos de escrita como de técnica legislativa.160

Visando dar maior valor a União Estável, o Legislador, menos de dois anos após a edição da supracitada Lei, promulgou novo texto legal, Lei 9.278, de 10 de maio de 1996.

Seria de se esperar, portanto, que tal Lei viria de forma definitiva salvaguardar os direitos dos companheiros e findar as dúvidas sobre o instituto da União Estável. Entretanto, a Lei 9.278/96, foi publicada com apenas 11 artigos, sendo que 3 deles foram vetados, não satisfazendo as necessidades da sociedade. 161

Como conceito de União Estável, assim determinou o legislador na Lei 9.278/96:

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 90. 159 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 91; 159 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 69-71,108. 160 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato, 2002, p. 326; OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 92. 161 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 96. 158

56

mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

Apesar de apresentar tal estrutura como entidade familiar, fica evidente tratar-se do instituto da união estável, ainda que tenha sido omitido o termo vislumbrado na CF/88. 162

Cita-se

ainda

que

tal

definição

afastou

os

impedimentos a que estavam sujeitos os companheiros na legislação anterior. Não há mais a previsão legal de que tal união deveria ser única e desimpedida.

Entretanto, a doutrina afirma que ‘Essa omissão no texto, porém, não significa a aceitação de uniões múltiplas, uma vez que o conceito de entidade familiar é restrito à união de “um homem e uma mulher”.163

Além disso, a supracitada Lei define que:

Art. 2° São direitos e deveres iguais dos conviventes: I - respeito e consideração mútuos; II - assistência moral e material recíproca; III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns.

Portanto, levando-se em conta o dever de respeito e consideração mútuos, não seriam admitidas, em tese, as uniões múltiplas.

OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 97; 162 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 112. 163 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 97; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 112. 162

57

Não obstante, a nova Lei sugeriu nova definição para “companheiros”, utilizando o termo “conviventes”. Segundo PEREIRA “Não há nenhuma explicação lógica ou fundamentação legal para tal mudança. Talvez um simples capricho do Legislador.”164

Continuavam, portanto, havendo inúmeras brechas, não sendo possível, pela Lei 8.971 ou pela Lei 9.278, resguardar todos os direitos dos companheiros.

2.3.3 A união estável no código civil de 2002

Finalmente, em 2002, surgiu o Atual Código Civil, que revogou, em parte, as matérias tratadas nas duas leis supracitadas. Além disso, considerou a União Estável como sendo pertencente ao Direito de Família, inserindo-a no Livro IV, Do Direito de Família.165

Sobre a definição de União Estável, o legislador optou por novamente citar o termo união estável e reafirmar os impedimentos a que ela esta sujeita.

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 69. GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 545; PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 114. 164 165

58

Em um primeiro momento, se observa que o legislador não determinou um prazo mínimo a ser comprovado, ficando o reconhecimento da união estável sujeita conforme se apresentar o caso concreto.166

Ainda, determinou que esta união deveria gozar de publicidade, sendo notória, e que procurasse constituir família.

Além

disso,

o

Atual

Código

Civil

atribuiu,

expressamente, o regime que deverá ser adotado pelos companheiros:

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.

Portanto, ainda que de forma sucinta, o C.C. atribui o regime patrimonial a ser utilizado pelos companheiros, preenchendo esta lacuna que, anteriormente, ficava livre ao critério da jurisprudência.

2.3.4 Requisitos para a caracterização da união estável

Conforme o art. 1.723 do C.C. e a doutrina, verifica-se a necessidade de comprovar certos requisitos para o reconhecimento da união estável.

Segundo VELLOSO, para que exista a caracterização da união estável, é necessário haver:

166

GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 545

59

[...] a sucessão de fatos e eventos, a permanência do relacionamento, a continuidade do envolvimento, a convivência more uxório, a notoriedade, enfim, a soma de fatores subjetivos e objetivos que, do ponto de vista jurídico, definem a situação.167

Elencam-se como pressupostos subjetivos: convivência more uxório e a affectio maritalis. Já como objetivos: a diversidade de sexos, a notoriedade, a estabilidade, a continuidade, a inexistência de impedimentos matrimoniais e a relação monogâmica. 168

2.3.4.1 Pressupostos subjetivos

I.convivência more uxório

É a convivência como se marido e mulher fossem. Ou seja, que se assemelha àqueles que são, de fato, casados.

Segundo PEDROTTI:

[...] com aparência de casados – more uxório - . Uxor quer dizer esposa, mulher no casamento legítimo. Mos significa modo, maneira. More uxório: À sua maneira, tal como mulher em relação ao marido.169

Portanto, ainda que não sejam casados, é pressuposto para o reconhecimento da união estável que assim pareçam, pois este é “fator de demonstração inequívoca da constituição de uma família”.170

VELOSO, Zeno, Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 548. GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 549. 169 PEDROTTI, Irineu Antonio. Concubinato-União Estável. 4ª edição, São Paulo: Editora Universitária de Direito. 1999, p. 7. 170 VELOSO, Zeno. Apud GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 549. 167 168

60

II. affectio maritalis

É o ânimo ou objetivo de constituir família. Este pressuposto

é

extremamente

subjetivo.

O

animus

deve

estar

flagrantemente esposado.171

Com o intuito de comprovar a affectio maritalis, OLIVEIRA enquadra como provas:

[...] a assistência emocional recíproca entre os conviventes, a colaboração nas empreitas comuns, o esforço no mútuo sustento, o compartilhar de mesa e leito, aqui se chegando à prazerosa entrega sexual em clima de carinho, atenção e gestos de amor, indispensáveis ao desenvolvimento digno da personalidade e do caráter das pessoas e à realização do sonho de uma feliz comunhão de vida.172

Ainda, sobre tal pressuposto, assim se manifesta GONÇALVES:

Não se configuram união estável, com efeito, os encontros amorosos, as viagens realizadas a dois ou o comparecimento juntos a festas, jantares, recepções etc., se não houver da parte de ambos o intuito de constituir uma família.173

Portanto, se torna difícil a comprovação da união estável justamente por ser entidade familiar formada pela ausência de formalidades, ficando então, sujeita a analise de cada caso concreto e de acordo com os elementos constantes e comprovados nos autos. GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 551. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 135. 173 GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 551. 171 172

61

2.3.4.2 Pressupostos objetivos

I. diversidade de sexos

O texto da CF determina que a união estável é formada pelo homem e pela mulher. Portanto, evidente a necessidade de diversidade de sexos para a configuração da união estável.

GONÇALVES afirma que:

Por se tratar de modo de constituição de família que se assemelha ao casamento, apenas com a diferença de não exigir a formalidade da celebração, a união estável só pode decorrer de relacionamento entre pessoas de sexo diferente.174

Em tempo, cabe salientar que este tema será trabalhado com maior amplitude no Capítulo 3, item 3.2.

II. notoriedade

Sobre a notoriedade, ensina PEREIRA que:

Há situações de aparente incompatibilidade, em que conhecimento ou divulgação faz-se dentro de um círculo restrito de amigos e pessoas da íntima relação de ambos. Entretanto, não é também elemento essencial para a caracterização do instituto e poderá perfeitamente, em caso de necessidade, ser provada a relação por

174

GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 552.

62

testemunhos de pessoas do circulo mais restrito e intimo de amizade.175

Portanto, ainda que seja necessário comprovar a publicidade e notoriedade da relação, esta não precisa ter um âmbito geral, podendo ser comprovada que a união era de conhecimento de um círculo restrito de amigos, parentes ou vizinhos.

III. estabilidade

O

pressuposto

de

estabilidade,

ou

duração

prolongada, surgiu quando o legislador atribui prazo mínimo para sua comprovação, que era de 5 anos, conforme a Lei 8.971/94.

Com a ausência de prazo legal, conforme o art. 1.723 do C.C., este pressuposto limitou-se a exigir a comprovação especifica no caso concreto e também, se utilizando do prazo de 5 anos como referência.

Neste sentir, PEREIRA aduz que:

Mesmo com essa revogação, o costume, já consagrado, servirá como referencial à caracterização dessas uniões, ou seja, o prazo de mais ou menos cinco anos será sempre um referencial, ainda que subjetivo [...] não poderá ser jamais elemento determinante.176

Portanto, sem existir um limite legal, é possível a comprovação de união estável, tenha ela durado 1 ano ou 10 anos,

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 31.[sem grifo no original] 176 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e União Estável, 2001, p. 33. 175

63

desde que os elementos trazidos ao processo faça transparecer os demais pressupostos.

IV. continuidade

Ao contrário do casamento, em que é notório seu início e seu fim, a união estável não possui marcos temporais. Por isso, ela deve ser contínua, sem interrupções.

Nesta mesma esteira, GONÇALVES afirma que:

Diferente do casamento, em que o vínculo conjugal é formalmente documentado, a união estável é um fato jurídico, uma conduta, um relacionamento. A sua solidez é atestada pelo caráter continuo do relacionamento.177

Este pressuposto visa garantir a segurança jurídica, impedindo que terceiros sejam lesados por esta instabilidade.

V. inexistência de impedimentos matrimoniais

Assim como tratado no item 2.2.2, a união estável também sofre os impedimentos constantes no art. 1.521 do C.C.

Portanto, excetuando o impedimento de casamento (caso esteja separado de fato ou judicialmente) será aplicada a união estável os mesmos impedimentos a que está sujeito o casamento.178

VI. relação monogâmica

GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 552. OLIVEIRA, Euclides Benedito de. União Estável: do concubinato ao casamento, 2003, p. 138.

177 178

64

Assim como já tratado no rol de princípios do Direito de Família (Cap1, 1.4), a monogamia é tida como base do casamento e é estendida a união estável os seus efeitos.

Portanto,

afastada

a

possibilidade

de

haver

a

configuração da união estável quando já houver a configuração de outra entidade familiar.179

Cabe ressaltar que este tema será mais bem estudado quando tratarmos do concubinato e da possibilidade de reconhecimento de famílias paralelas.

2.4 FAMÍLIA MONOPARENTAL

Se o instituo da União Estável é o mais controverso, o da Família Monoparental é o mais desprovido de proteção do Estado.

Consta, no § 4º do art. 226 da CF/88, que:

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Portanto, familiar monoparental é aquela formada por um dos pais, seja ele solteiro, separado, divorciado ou viúvo, e seus filhos.

179

GONÇALVES, Direito civil brasileiro, 2008, p. 558.

65

Para LEITE, a família monoparental se configura “quando a pessoa considerada (homem ou mulher) encontra-se sem cônjuge, ou companheiro, e vive com uma ou várias crianças.” 180

Sobre o tema, coleciona-se o seguinte ensinamento:

Abandonando o texto constitucional a secular e exclusiva proteção da família tida como instituição apenas constituída pelo casamento, dirigindo sua tutela individualizada a cada membro do grupo, sob o amparo, sobretudo, do princípio da dignidade, eis que elegeu a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes à categoria de entidade familiar, conferindolhe prestígio idêntico àquelas originadas pelo casamento e pela união estável, conforme se depreende do art. 226 da Constituição Federal em vigor. A esse grupo dá-se a denominação de família monoparental ou unilinear, expressão usada inicialmente na França, inobstante a Inglaterra já lhe dedicar atenção especial desde a década de 60, denominando-o de lone-parents families.181

Nesta mesma esteira, Viana afirma que:

Pese embora o inconformismo, o fato incontestável ao qual se rendeu nossa Constituição, é que ao lado do casamento constituíram-se outras entidades familiares, avultando das estatísticas o número de mulheres e homens sem par, criando isoladamente seus filhos.(...) A monoparentalidade é, em verdade, antítese real da família natural, mas que clamava respaldo jurídico justamente para proteção dos filhos expostos a toda série de discriminações nas relações

LEITE, Eduardo de Oliveira. Apud CHANAN, As Entidades Familiares na Constituição Federal, junho/julho 2007, p. 61. 181 BRAVO, Maria Celina; SOUZA, Mário Jorge Uchoa. As entidades familiares na Constituição . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2008.[sem grifo no original] 180

66

públicas e privadas, casamentário.182

ditadas

pelo

moralismo

cristão

Apesar de tratar com certo repúdio a instituição da monoparentalidade, o doutrinador admitiu que havia um clamor popular para que fosse reconhecido e resguardado tal instituto.

Em relação as famílias monoparentais, DIAS assim se manifesta:

A Constituição Federal de 1988 alargou o conceito de família, passando a integrá-lo as relações monoparentais: de um pai com os seus filhos. Esse redimensionamento, calcado na realidade que se impôs, acabou afastando da idéia de família o pressuposto de casamento. Para sua configuração, deixou de ser exigida a necessidade de existência de um par, o que, conseqüentemente, subtrai de sua finalidade a proliferação. 183

Entretanto, tal entidade ficou especificada apenas na Constituição, não sendo mencionada, diretamente por outras legislações. No C.C. não há qualquer artigo que conceitue ou atribua direitos e deveres as famílias monoparentais.

Apesar deste abandono, se faz importante frisar que a família monoparental, em função da sua própria natureza, é entidade familiar que necessita do apoio e amparo do Estado. O rol de situações vividas por estas famílias é extenso, citando, a título de exemplo, o direito

VIANA, Rui Geraldo Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (orgs.). Temas atuais de direito civil na constituição federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pags.31-32. [sem grifo no original] 183 DIAS, Maria Berenice. As famílias e seus direitos. Disponível em www.mariaberenicedias.com.br. Acesso em 30 de outubro de 2008. [sem grifo no original]. 182

67

de pensão alimentícia, direito de guarda e de visita bem como os demais problemas de ordem econômica.184

Coleciona-se ainda, o ensinamento de DIAS:

As famílias modernas ou contemporâneas constituem-se em um núcleo evoluído a partir do desgastado modelo clássico, matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonializado e heterossexual, centralizador de prole numerosa que conferia status ao casal. Neste seu remanescente, que opta por prole reduzida, os papéis se sobrepõem, se alternam, se confundem ou mesmo se invertem, com modelos também algo confusos, em que a autoridade parental se apresenta não raro diluída ou quase ausente. Com a constante dilatação das expectativas de vida, passa a ser multigeracional, fator que diversifica e dinamiza as relações entre os membros.185 Portanto,

desprovido

dos

preconceitos,

a

família

monoparental deve gozar dos mesmos direitos que o casamento ou que a união estável, vez que é protegida, em igual grau, pela Constituição da República, devendo o Legislador atribuir, de forma clara e expressa, seus direitos e deveres.

CHANAN, As Entidades Familiares na Constituição Federal, junho/julho 2007, p. 62. 185 DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter) secções do afeto e da lei. Disponível em < http://www.gontijofamilia.adv.br/2008/artigos_pdf/Maria_berenice/familia.pdf>. Acesso em: 27 out. 2008. [sem grifo no original] 184