O AMOR ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER - UM OLHAR ...

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16 jun. 2013 ... O amor entre um homem e uma mulher - um olhar psicanalítico. É tempo de amar! O amor está no ar. O tempo dos presentes, das flores, dos.
O AMOR ENTRE UM HOMEM E UMA MULHER UM OLHAR PSICANALÍTICO

Artigo cedido pela autora para publicação no website da Somática Educar

Liria Helena M G LIttig Professora Psicanalista e psicopedagoga [email protected]

O amor entre um homem e uma mulher - um olhar psicanalítico

É tempo de amar! O amor está no ar. O tempo dos presentes, das flores, dos beijos carinhosos, das surpresas. O tempo de festejar o amor. Um dia foi selecionado para que todos os casais rendam homenagem ao amor: o dia dos namorados. Mas será que é sempre assim? Porquê nem todos os dias são dias de amar? Nas relações amorosas observamos, muitas vezes, apenas cobranças, não reconhecimentos, ciúmes, desentendimentos, humilhações chegando ao máximo que são as agressões físicas e psíquicas. Em nome do amor também se mata. Todos os dias nos noticiários vemos esta dolorosa realidade. Entendemos que duas pessoas criadas de maneiras tão diferentes, por famílias também diferentes, com situações sociais, culturais e religiosas tão diversas, possam realmente entrarem em conflito. Entretanto, o fato de chegarem a destituir a outra, humilhar e até mesmo matar em nome do amor, é algo que nos deixa paralisados, aterrorizados, ferindo nossos mais profundos sentimentos. Entretanto, sabemos que o amor faz laço, enlaça o sujeito. Os poetas , na sua busca de melhor dizer e viver o amor, não nos deixa mentir. Entendemos que sem ele não podemos viver. Precisamos amar e nos sentir amados. O que a Psicanálise nos fala do amor e de sua importância para o sujeito falante? Em o “Mal-estar na civilização”, Freud indica que amar e ser amado é um dos meios dos quais dispõe o ser humano na busca da felicidade. E que a perda do amor, para uma mulher, ou do objeto amado, para o homem, constitui uma das fontes de infelicidade e desamparo. Com o amor não alcançamos a plenitude, mas uma felicidade da ordem do possível. Uma das afirmações bem chocantes de Freud, é aquela em que define o amor, todo amor, do homem e da mulher, como sendo narcísico. Quer dizer, no fundo, todos nós amamos só a nós mesmos. E quando namoramos, nos apaixonamos, nos casamos, não amamos o outro propriamente, mas aquilo que é nosso e que vemos no outro ou aquilo que não temos, mas gostaríamos de ter. É o outro servindo de espelho, como no caso de Narciso, e nos refletindo a nós mesmos. Jaques Lacan, psicanalista francês, dando continuidade ao pensamento freudiano, nos fala que amar é dar ao outro o que não se tem: a pura falta. Buscamos na outra pessoa algo que nos falta, nos completa e imaginamos, fantasiamos que o outro tem. Por sua vez o parceiro entende que é portador de

algo que atrai o outro, mas que não sabe o quê. O amante não sabe o que quer e o amado não sabe o que tem. É um não saber que é da ordem do inconsciente. Nesse campo imaginário, o homem e a mulher tem uma relação de amor. Serão as razões expostas acima os motivos de tantos conflitos? A busca de uma completude inexistente? Como se torna possível amar dentro desse impossível que é o amor, uma vez que, de acordo com Lacan, "a relação sexual não existe". Só é possível amar porque o amor, ao se localizar entre o simbólico e o imaginário, dá um sentido, uma certa completude, fazendo suplência a não existência da relação sexual. "O homem faz amor com seu inconsciente", nos diz Lacan no seminário sobre Joyce. "Só os significantes copulam no inconsciente, mas os sujeitos que dele resultam, sob a forma de corpos, são levados a fazer o mesmo - trepar, como chamam isso". Além do mais a forma de amar do homem é diferente da forma de amar da mulher. Senão vejamos. De acordo com Lacan, a mulher é a fantasia do homem, seu sintoma, em outras palavras, causa de seu desejo, o objeto perdido e sempre buscado. O mais-de-gozar é causa para o sujeito do inconsciente. Para o homem, o objeto da causa, aquele que foi para sempre perdido, pode ser materializado imaginariamente por alguns objetos; estes possuiriam a característica comum de serem parciais, em geral partes do corpo. O desejo masculino recorta imaginariamente no corpo da mulher esse objeto, o que faz com que ele não a deseje em sua totalidade, mas como objeto parcial. “Ao ter acesso ao lugar do desejo, o outro de modo algum se torna o objeto total, mas o problema, ao contrário, é que ele se torna totalmente objeto, como instrumento do desejo”, diz Lacan. A mulher, para ser amada pelo homem, deve ocupar o lugar de objeto causa de desejo, não objeto, como muitas entendem. Elas devem se fazer desejar. Este é o lugar que ela ocupa na relação. Isto não quer dizer que ela não tenha seu próprio desejo como sujeito fora da relação. Colette Soler, psicanalista francesa, reafirma que: " [...]uma mulher-sintoma, portanto, é, em primeiro lugar, um corpo com que gozar, gozar por intermédio do inconsciente, mas com o resultado de que o gozo suportado por este corpo Outro não é, no fundo, para o homem, senão, um gozar do inconsciente."(2003, p.183)

Na clínica, não há nada de que as mulheres mais se queixem, do que o silêncio masculino, de que os homens não falam, nada dizem e eles não entendem o que há para ser dito. Não é que eles não amem, e sim que, para eles, o amor pode ser algo que é escusado dizer, nos assinala Lacan. Mas para a mulher "o amor não é uma evidência". Para elas o ato sexual tem que ser envolto em amor, e até num único amor, e quando elas o pedem, o que estão pedindo, de fato, é que a assegurem como sujeito de sua sustentação fálica. Para a mulher o homem pode ser o amor ou a devastação. A devastação, de acordo com Colette Soler como aflição. "Os dois termos conotam, ao mesmo tempo, as agonias da dor e a destruição que aniquila.", nos diz a autora. Interessante notar que Lacan utilizara a palavra 'devastação' para falar da relação da filha com a mãe, o que seria uma continuidade da tese freudiana segundo a qual a filha, numa reivindicação fálica, transfere para o homem, o mesmo tipo de relação que teve com a mãe, incluindo aí todo tipo de censura a ela dirigida. Seria, então, o homem herdeiro da relação com a mãe? A filha continua reivindicando o falo com o homem? Devastação pode incluir reivindicação, mas não é apenas isso, uma vez que não inclui o mesmo registro. Devastação é da ordem do Real e reivindicação é da ordem do simbólico, tem a ver com o registro fálico. O que seria, então, devastação? Para Lacan, a devastação na mulher leva a cabo essa insistência de amor, aí “não há limites às concessões que cada uma faz para um homem: de seu corpo, de sua alma, de seus bens”. Jacques Allan Miller nos fala que "para amar é necessário falar; para gozar é preciso amar”, ou seja, "para uma mulher – não se pode gozar sem palavras.” Isso coloca muitas vezes, do lado feminino, uma demanda de amor infinita, o que pode retornar em forma de devastação. O encontro com um homem pode fazer limite a esse gozo e funcionar como parceiro sintoma ou, caso contrário, se não circunscrever esse ilimitado, poderá ser uma devastação. Aposta-se que ao final de um percurso de análise, o sujeito sai do imaginário das paixões e aprende verdadeiramente a amar, considerando sobretudo, as diferenças.

Referências Bibliográficas FREUD, Sigmund. O Mal estar na Civilização. Obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, V.XXI, 1968. _______________. Sobre o Narcisismo: uma introdução. obras Psicológicas Completas. Rio de Janeiro: Imago, V. XIV, 1968.

LACAN, Jacques. Seminário, livro 20: mais ainda. Rio de Janeiro: Zahar, 1972 NASIO, J.D. A Fantasia. Rio de Janeiro: Zahar, 2007 SOLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.