O TEATRO COMO INSTRUMENTO NA ... - UFJF /Defesa

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1 Monografia apresentada, em 2003, ao Programa de Pós-Graduação em Educação ... para a obtenção do grau de Especialista em Arte na Educação Infantil.
O TEATRO COMO INSTRUMENTO NA CONSTRUÇÃO DE VALORES ÉTICOS NA EDUCAÇÃO1 NEIRIMAR CERQUEIRA DE ASSIS COSTA MEMBRO DO CENTRO DE PESQUISAS ESTRATÉGICAS “PAULINO SOARES DE SOUSA”, DA UFJF. DIRETORA DA ESCOLA MUNICIPAL “PROFESSORA CLOTILDE ROCHA”, BARROSO, MG. PROFESSORA DA UNIPAC – BARROSO, MG. FORMADA EM PEDAGOGIA PELA UNIPAC, BARBACENA. ESPECIALISTA EM EDUCAÇÃO PELA UFJF. [email protected]

RESUMO O presente trabalho apresenta uma pesquisa de investigação a respeito da contribuição que o teatro pode oferecer no desenvolvimento emocional, afetivo e intelectual da criança. Busquei a observação de um pequeno grupo de alunos da Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni”, de Barroso-MG. O ponto central para tal observação era a indisciplina, falta de interesse e dificuldades de concentração. Os estudos demonstraram que as causas dessas atitudes se fundamentavam em sentimentos de baixa auto-estima e falta de um relacionamento de integração no ambiente escolar. Para pesquisar essa hipótese foi feito um estudo na tentativa de compreender os aspectos filosóficos, psicológicos e sociais que influenciavam tais atitudes. Foi tomado como base idéias de Platão na relação entre arte e educação; estudos de Vygotsky sobre o desenvolvimento psicológico com relação à arte e a observação com os alunos da escola objetivando atividades que aproximassem educandos e educadores através de jogos teatrais e dramatizações. Este grupo de alunos durante o trabalho apresentou mudanças de comportamento, concentrando-se mais e conseqüentemente apontando melhorias na aprendizagem. Através de dramatizações foi possível observar a elevação da auto-estima, contribuindo para o desenvolvimento afetivo do grupo. Conhecer o aluno e saber responder 1 Monografia apresentada, em 2003, ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFJF, como requisito para a obtenção do grau de Especialista em Arte na Educação Infantil. A Monografia foi orientada pelo Prof.dr. Ricardo Vélez Rodríguez.

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às suas necessidades pode ser um caminho para tantos quantos estiverem dispostos a melhorar sua prática pedagógica e encorajar seus alunos para que eles possam compreender o significado da escola em sua vida. PALAVRAS-CHAVE: Educação, teatro, auto-estima, arte, aprendizagem.

INTRODUÇÃO Na civilização Grega já se estabelecia uma relação entre a arte e a educação. Filósofos como Platão (428 a 347 a C.) e Pitágoras (570 a 497 a C.) teciam suas considerações a respeito da contribuição que a arte oferecia, tendo em vista a formação humanística, ou mesmo como parte integrante da formação científica ou na carreira militar. A educação atualmente visa não só aspectos formativos, mas também outros que pressupõem uma educação inacabada em constante evolução. A educação para a cidadania, a busca de valores éticos e a felicidade, são reconhecidas como fundamentais na ação de educadores e pedagogos, que percebem a necessidade de transformação do pensamento e de atitudes. O educador está em constante reflexão no sentido de repensar a prática pedagógica e organizar a intervenção educacional de maneira a propor situações de aprendizagem ajustadas às capacidades cognitivas dos alunos. Somando-se a este esforço o presente trabalho procura demonstrar a contribuição filosófica do pensamento de Platão e Pitágoras, que afirmam a importância da arte na formação humanística. Fatores psicológicos ressaltados por Vygotski, que pesquisou a relação entre arte e o ser humano, foi necessário para o entendimento de fatores emocionais que permearam o estudo. Na tentativa de compreender a relação entre a vida escolar e a vida cotidiana de meus alunos, senti-me motivada a iniciar um trabalho de campo na Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni”, na cidade de Barroso, pressupondo mudanças de atitudes usando como instrumento o teatro. Atenta aos fatores que interferiam na aprendizagem e na motivação; atrelada a insatisfações atribuídas aos alunos, educadores e também ao sistema de ensino, busquei a compreensão dos motivos que desencadearam reações adversas provocadas por insatisfações. 2

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Se o projeto educacional exige renovar o processo de ensino e aprendizagem, este precisa se preocupar em preservar o desejo de conhecer e de saber com que todas as crianças chegam à escola. É preciso manter o vínculo com o conhecimento e não destruí-lo através do fracasso. Deve-se potencializar a aprendizagem, bem como a satisfação dos educandos. Acreditando na arte como instrumento no desenvolvimento do pensamento e de valores éticos na educação e na vida social, parti para verificar através do teatro essa hipótese. Desenvolvi uma pesquisa com alunos que apresentavam, aos olhos de muitos, uma auto-estima deficiente, assim como dificuldades de aprendizagem e de comportamento. Como resultante de tais comportamentos o desinteresse é fator visível, o que dificulta a relação professor-aluno e o processo ensino-aprendizagem. O trabalho é colocado em prática durante o ano de dois mil e dois, durante aulas de Educação Religiosa, em módulos de cinqüenta minutos por semana. A princípio são feitas investigações sobre o contexto social e escolar dos alunos, a vida acadêmica dos profissionais da escola, e também sobre concepções a respeito da arte e moralidade. A autora procura desenvolver o trabalho de pesquisa contando com a colaboração dos alunos. O prosseguimento das atividades acontece conforme resultados obtidos a cada encontro. Os jogos teatrais se tornam importantes aliados na descoberta de informações. O aspecto psicológico muito pode representar na busca de resultados. A pesquisa estende-se ao estudo da Psicologia da Arte segundo a obra de Vygotski, sem esquecer, por outro lado, os aspectos filosóficos e a história da arte, em particular do teatro. A documentação relativa às atividades e reações dos alunos, bem como o registro de todas as opiniões destes, são instrumentos necessários ao desenvolvimento de cada parte deste trabalho. As reflexões são expostas no final, tendo em vista a verificação dos objetivos e também da contribuição que pode oferecer no processo educacional. Ao propor a pesquisa, o objetivo maior foi o de poder contribuir para uma educação dentro de uma abordagem construtivista, que considere o desenvolvimento pessoal, proporcionando a articulação de significados e um ensino de qualidade, que visa formar cidadãos capazes de interferir criticamente na realidade para transformá-la.

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As questões relativas à globalização, aos avanços tecnológicos e científicos e à discussão ético-valorativa da atual sociedade, atribuem à escola importante tarefa de preparar os nossos alunos para que participem da vida social, cultural e política em nosso país. Se a aprendizagem for uma experiência de sucesso, o aluno constrói uma representação positiva de si e do mundo em que vive. 1 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO ARTÍSTICA NO CONTEXTO DO PROCESSO EDUCACIONAL Desde muito antigo, ainda na Civilização Grega, foi estabelecida a relação entre arte e educação, na obra de grandes filósofos como Pitágoras de Samos (570-497 a.C.) e Platão (428-347 a. C.). A influência de Platão no pensamento ocidental foi muito grande. Ele insistia em que a Educação Artística da criança e do jovem sensibiliza o educando em face dos ideais e era, assim, o ponto de partida para a educação moral. 1.1 Considerações iniciais acerca da educação artística na história da cultura ocidental Pitágoras considerava que a harmonia do mundo poder-se-ia traduzir em proporções numéricas e que, de outro lado, a música era constituída basicamente também por relações entre números. Dessa forma, para Pitágoras, a educação artística poderia estabelecer uma ponte entre música e matemáticas, ou melhor, a música seria uma espécie de preparação para a apreensão da harmonia do mundo através dos números. O sistema educativo grego passou a incorporar, assim, desde muito antigo, a formação artística como preparação para o conhecimento científico. Não havia, portanto, separação entre ensino humanístico (do qual as artes formavam parte, sendo a música o aspecto fundamental) e ensino técnico e matemático. As modernas teorias psicológicas que mostram que as crianças que tiveram educação musical conseguem um melhor desempenho no aprendizado das matemáticas, vêm corroborar aquela antiga intuição pedagógica dos pitagóricos. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche, um dos mais importantes estudiosos da filosofia pitagórica no século XIX, escreveu o seguinte, acerca da relação existente, na 4

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mencionada filosofia, entre música, matemáticas e ciência, destacando a harmonia que é revelada em todas essas manifestações do espírito humano: O ponto de partida que permite afirmar que tudo o que é qualitativo é quantitativo, encontra-se na acústica. (...) A música, com efeito, é o melhor exemplo do que queriam dizer os pitagóricos. A música, como tal, só existe em nossos nervos e em nosso cérebro; fora de nós ou em si mesma (...), compõe-se somente de relações numéricas quanto ao ritmo, se trata de sua quantidade, e quanto à tonalidade, se trata de sua qualidade, conforme se considere o elemento harmônico ou o elemento rítmico. No mesmo sentido poder-se-ia exprimir o ser do universo, do qual a música é, pelo menos em certo sentido, a imagem, exclusivamente com o auxílio de números. E tal é, estritamente, o domínio da química e das ciências naturais. Trata-se de encontrar fórmulas matemáticas para as forças absolutamente impenetráveis. Nossa ciência é, nesse sentido, pitagórica (...). A contribuição original dos pitagóricos é, pois, uma invenção extremamente importante: a significação do número e, portanto, a possibilidade de uma investigação exata em física. Nos outros sistemas de física, tratava-se sempre de elementos e de sua combinação. As qualidades nasciam por combinação ou por dissociação; agora, enfim, afirma-se que as qualidades residem na diversidade das proporções, Mas esse pressentimento estava ainda longe da aplicação exata. Contentou-se, provisoriamente, com analogias fantasiosas. (NIETZSCHE, 1973, p. 62) A educação através da arte era essencial ao sistema educativo na Grécia antiga, seja como parte integrante da formação científica, ou na carreira militar. Efetivamente, a formação artística, ao familiarizar o jovem com a beleza e a perfeição, preparava-o tanto para a apreensão da ordem cósmica como para a conservação da ordem no mundo político, sendo a defesa da cidade o elemento fundamental. O ideal grego consistia na preservação de um valor que era ao mesmo tempo estético e político: a bela morte na defesa da cidade. Tal é o ideal que permeia a Tragédia grega, em Ésquilo, Sófocles ou Eurípedes. A educação artística constituía a base para a formação do caráter do cidadão comum e dos defensores da cidade. (JAEGER, 1967) Platão considerava a importância de um ensino público de qualidade destacando-se assim como precursor desse tipo de ensino. A responsabilidade em ministrar a educação básica deveria ser do Estado. Ele achava que o Estado ateniense fechava os 5

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olhos à sua responsabilidade. “Atenas pagava o preço por sua negligência: era governada, como merecia, por estadistas ignorantes e ineficientes”. (BARKER apud PLATÃO,1984, p. 28) A nossa alma para Platão é imortal. Ao conhecermos as coisas belas do mundo, nos remontamos até o Belo, proveniente da divindade. As perfeições do mundo finito revelam, assim, a perfeição eterna do Bem Supremo. Por isso devemos zelar para que nossa alma não se atrele ao passageiro. A prática da virtude, em que consiste a vida moral, essa é a verdadeira grandeza da nossa alma. Mas a contemplação do Belo nos habilita para empreendermos a caminhada rumo às nossas origens divinas. Essas idéias encontram-se presentes no belo diálogo Fédon, em que Platão recolhe os ensinamentos do seu mestre Sócrates. Eis uma parte central do mencionado diálogo: Quanto a mim, estou firmemente convencido, de um modo simples e natural, e talvez até ingênuo, que o que faz belo um objeto é a existência daquele Belo em si, de qualquer modo que se faça a sua comunicação com este. O modo por que essa participação se efetua, não o examino neste momento; afirmo apenas que tudo que é belo (é tal) em virtude do Belo em si. Acho que é muitíssimo acertado, para mim e para os demais, resolver assim o problema, e creio não errar adotando esta convicção. Por isso digo convictamente, a mim e aos demais, que o que é belo é belo por meio do Belo. (PLATÃO, 1987, p. 107 e 115) Na obra A República, Platão considerava o corpo humano dividido em três partes: cabeça, peito e baixo-ventre, cada uma das partes ligadas, respectivamente, à razão, à vontade, e ao desejo ou prazer. Cada uma das características possui um ideal ou uma virtude. A razão deve aspirar à sabedoria, a vontade deve mostrar a coragem e os desejos devem ser controlados a fim de se chegar à temperança. Quando as três partes do homem se fundem é possível chegar à sabedoria. A prática pedagógica, centrada na valorização dos aspectos humanísticos, visa principalmente a tentar compreender o que está subjacente às atitudes diárias, a compreender as potencialidades buscando a felicidade.

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A educação objetiva não só aspectos formativos, mas também, outros advindos da adaptação humana ao meio. Ela é sempre inacabada, em constante evolução e inspira ações dos educandos de maneira consciente, livre e responsável. A educação moral, para a filosofia grega, é um processo de construção de si mesmo. É dar forma à própria identidade, mediante reflexões e ações resultantes da convivência dia-a-dia. A respeito disto, Aristóteles (384-322 a. C.), destacava que para educar os jovens na virtude, estes deveriam ser treinados na repetição de atos virtuosos, pois somente assim poder-se-ia criar o hábito. A respeito, frisava o filósofo: Nenhuma das virtudes morais surge em nós por natureza; com efeito, nada do que existe naturalmente pode formar um hábito contrário à sua natureza. Por exemplo, à pedra que por natureza se move para baixo não se pode imprimir o hábito de ir para cima, ainda que tentemos adestrá-la jogando-a dez mil vezes no ar; nem se pode habituar o fogo a dirigir-se para baixo, nem qualquer coisa que por natureza se comporte de certa maneira a comportar-se de outra. Não é, pois, por natureza, nem contrariando a natureza que as virtudes se geram em nós. Diga-se, antes, que somos adaptados por natureza a recebê-las e nos tornamos perfeitos pelo hábito. Por outro lado, as coisas que nos vêm por natureza, primeiro adquirimos a potência e mais tarde exteriorizamos os atos. Isso é evidente no caso dos sentidos, pois não foi por ver ou ouvir freqüentemente que adquirimos a visão e a audição, mas, pelo contrário, nós as possuíamos antes de usá-las, e não entramos na posse delas pelo uso. Com as virtudes se dá exatamente o oposto: adquirimo-las pelo exercício, como também sucede com as artes. Com efeito, as coisas que temos de aprender antes de poder fazê-las, aprendemo-las fazendo; por exemplo, os homens tornam-se arquitetos construindo e tocadores de lira tangendo esse instrumento. Da mesma forma, tornamo-nos justos praticando atos justos, e assim com a temperança, a bravura, etc. (ARISTÓTELES, 1987, p. 27) A questão da educação artística como instrumento na construção de valores confronta-se com alguns paradigmas da educação moral, na modernidade, como por exemplo, o defendido por Emil Durkheim. De acordo com este autor, que acredita na condição moral como forma de adaptação social transmitida de modo heteronômo, existe uma grande preocupação para se trabalhar comportamentos corretos. Resumidamente,

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Durkheim considera a educação moral de forma unilateral, sintetizada nas palavras-chaves: socialização, clarificação, desenvolvimento e formação de hábitos. Durkheim reafirma a importância da autoridade moral frente aos alunos, da necessidade de se criar regras e preceitos que representem não só a idéia do educador, mas também uma vontade coletiva. Quanto às sanções, o mencionado autor escreve: As sanções coletivas deveriam ter um lugar importante na vida da classe, a fim de ajudar as crianças, a descobrir que seus atos têm causas e conseqüências que ultrapassam a esfera de sua própria personalidade. Para isso será interessante criar no grupo o hábito de revisões periódicas nos comportamentos coletivos e dos avanços que o grupo realiza. Essas sessões de revisão podem terminar com uma recompensa coletiva ou com a privação de uma atividade desejada, de tal forma que cada sujeito assuma as conseqüências do comportamento geral e se envolva na melhora do mesmo. (DURKHEIM apud PUIG, 1996, p. 37) Se referindo à construção da personalidade moral, Piaget analisa as idéias de Durkheim na sua obra intitulada O juízo moral na criança (1932). Esta obra foi a sua principal contribuição ao desenvolvimento moral. Piaget considerava que no que tange à construção da personalidade moral, Durkheim programa “uma educação moral baseada em métodos nos quais a autoridade dos adultos é imprescindível para se chegar à liberdade interior da consciência” (PUIG, 1998, p. 38). Mas Piaget firma um ponto de vista crítico em relação a Durkheim, nos seguintes termos: Pensamos que, embora tenha desenvolvido amplamente um programa de socialização, aspecto a ser considerado, é verdade que Durkheim ignorou a vertente mais criativa e transformadora da educação moral, aquela que limita o papel da adaptação em benefício da criação de novas formas de vida mais justas. O respeito pela autonomia real da consciência pessoal nos parece que não foi considerado na proposta de Durkheim. (PIAGET apud PUIG, 1998, p. 38) Piaget critica a postura unilateral de Durkheim, e afirma que os jovens experimentam um desenvolvimento que os leva desde uma moral baseada na coação pelos adultos até o desenvolvimento de critérios de comportamento com autonomia. 8

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A submissão das crianças é obtida pelo temor, ou pelo afeto aos adultos (moral heteronômica). Ele entende que nenhuma realidade moral é completamente inata, mas sim resulta da convivência e das relações sociais estabelecidas com os adultos. Através do respeito mútuo, da colaboração, do diálogo e a partir da consideração de semelhança com o grupo, muito se consegue para a construção de uma moral autônoma. É a partir da compreensão do ponto de vista alheio e da liberdade de argumentação que se dá a passagem da moral heterônima para o juízo moral autônomo. Piaget conclui através de seus estudos que a influência dos adultos e das normas pode reforçar ou dificultar tal desenvolvimento, mas é o espírito de cooperação entre iguais que será fundamental no desenvolvimento da noção de justiça. Vale lembrar que para a filosofia grega não havia o problema que Piaget detecta no pensamento de Durkheim. Como vimos no início deste item, a educação artística, ao mesmo que tempo que sensibilizava os educandos para os valores do Belo, os preparava para a manutenção da ordem social justa e a defesa da cidade. Os gregos tinham, assim, um modelo muito mais harmônico de educação, do que pensadores modernos da talha de Durkheim. Na filosofia moderna temos, no entanto, um exemplo bastante interessante de harmonia entre educação moral e artística. Trata-se da corrente de pensamento desenvolvida na Espanha, na Segunda metade do século XIX, e que deu ensejo à Instituição Livre de Ensino, que levou a uma renovação dos critérios pedagógicos nesse país, tendo aberto a porta à modernidade em assuntos educacionais. O criador dessa instituição foi o pedagogo espanhol Francisco Giner de los Ríos (1839-1915), autor das seguintes obras: Instituição livre de Ensino (Madri, 1882), Estudos sobre Educação (Madri, 1886), Educação e Ensino (Madri, 1889), Pedagogia universitária (Barcelona, 1905) e Ensaios sobre educação (Madri, 1913). Para Giner de los Ríos o sistema de ensino da Espanha, na sua época, estava em crise, em decorrência do fato de que as instituições estavam mais preocupadas em repassar conhecimentos profissionalizantes aos alunos, não em formar pessoas. A respeito, escrevia o pensador espanhol na sua obra Ensaios sobre educação:

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O vício fundamental das nossas classes (chamemo-las ilustradas) pode ser definido em fórmula precisa. Entre nós, as pessoas de talento são jornalistas, professores, padres, comerciantes, ministros, biólogos, industriais, médicos, advogados, músicos, escritores, químicos, arquitetos, etc., mas dificilmente são homens. Daí o seu estreito especialismo, a sua indiferença mortal em face do que seja superior ao seu estreito horizonte, bem como esse profundo divórcio entre instrução e educação, em decorrência do qual essas pessoas carecem daquelas idéias, princípios, sentimentos, gostos e até modos, graças aos quais o homem é homem. (RÍOS, 1945, p. 121-122) Para superar esse estado de coisas, Francisco Giner de los Ríos propunha uma educação humanística, que já desde os primeiros anos do ensino primário familiarizasse as crianças com os fundamentos espirituais da cultura ocidental, notadamente mediante o cultivo dos valores estéticos. A educação artística agiria como uma espécie de grande sopro renovador do ensino. Educados na apreciação da arte, as crianças e os jovens ficariam mais sensíveis aos demais valores do espírito, notadamente aqueles relacionados à religiosidade e à moral. A educação estética seria, assim, o capítulo renovador dos métodos de ensino, fazendo com que crianças e jovens passassem a valorizar os ideais superiores através da sedução que neles enseja a obra de arte. Convém salientar, para finalizar este item, que no Brasil foi desenvolvida uma concepção pedagógica semelhante pelos estadistas do Império. Mencionemos, apenas para ilustrar este fato, o nome do visconde de Araguaia, Domingos Gonçalves de Magalhães (1811-1882), o mais importante expoente do nosso romantismo literário. Segundo ele, que também foi o principal filósofo do Segundo Reinado, somente se conseguiria fazer frente ao grande repto de desenvolver na jovem nação a idéia de Pátria, mediante uma intensa educação artística do povo, que através do teatro popular divulgasse os valores fundantes da nacionalidade, valorizando, sobretudo aquelas expressões artísticas que deixassem ver a riqueza da nossa cultura telúrica. A educação artística seria, segundo Gonçalves de Magalhães, a porta de entrada para a construção da consciência nacional e o primeiro degrau para as restantes etapas da educação. Em linguagem hodierna, diríamos que o visconde de Araguaia apostava na arte difundida no seio do povo, como primeiro degrau da educação para a cidadania. (PAIM, 1984, p. 328-332) 1.2 Em que consiste a arte 10

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O sentido da palavra arte vai muito além do sentimento de beleza, já que é um fenômeno flutuante concretizado no decorrer da história. Arte não é necessariamente beleza, referindo-se ao belo como estético. Nem tudo o que é belo é arte, assim como nem tudo que é arte é belo. O objetivo da arte consiste na comunicação do sentimento. É essencial na vida das pessoas, tanto pelo que ela representa no que respeita a motivar o espírito, bem como no relacionado a chamar a atenção para a cultura e a erudição. As várias formas de expressão vão se alterando ao longo dos anos, relacionando as tendências estéticas e as culturas. A obra de arte é de certo modo liberação da personalidade, na medida em que nos possibilita libertar os sentimentos e as emoções, que corriqueiramente são inibidos ou reprimidos. Além de valores formais que a arte proporciona, é possível também a percepção na busca de inferências universais da personalidade. “Os caracteres das grandes obras de Shakespeare não são tão só caracteres individuais, apesar de todo o realismo e a fidelidade para com a vida, mas também protótipo das paixões e aspirações da humanidade em geral”. (READ, 1978) Seja na época ou circunstância que for, a arte transcende o indivíduo, permitindo dar formas às suas aspirações e inquietudes, é a liberação da própria alma. A expressão através da arte foi na antigüidade não somente forma de transcendência, mas também veículo que permitia realçar os próprios interesses e a divisão da sociedade em classes. Ora os detentores das técnicas da arte eram os artesãos, ora pertenciam à burguesia ou à Igreja. Durante muitos séculos a arte foi direcionada junto a qualquer manifestação religiosa. No que se refere ao teatro, os caminhos percorridos foram semelhantes às várias outras áreas da arte. 2 UM BREVE HISTÓRICO SOBRE O TEATRO A Arte através dos tempos foi fruto de grandes transformações, principalmente com o surgimento da televisão e cinema. A dramatização na antigüidade, como expressão da arte e da cultura, surgiu no teatro grego inspirada em cultos religiosos, para mais tarde se tornar uma instituição pública, custeada e organizada pelo Estado. Assumia a função cívica nas grandes festas. Com o domínio romano, os enredos limitaram11

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se a questões cotidianas familiares. Durante a decadência do Império Romano (século V) foi proibido o teatro; apesar do que cerimônias religiosas utilizavam ainda alguns elementos dramáticos. A continuidade entre o mundo clássico e a Europa moderna resistiu ao tempo, sendo resgatada por ambulantes, acrobatas, malabaristas, menestréis espalhados pela Europa, possuindo características do mimo romano. Ao fenômeno anterior somaramse as festas pagãs agrícolas e folclóricas. A divisão entre teatro popular e literário rompeu com a tradição clássica, fazendo com que o teatro ocidental recomeçasse do nada, novamente em cultos religiosos, em forma de dramas litúrgicos, que eram representados no interior das igrejas, mais tarde nos pátios e vários locais da cidade. A partir do século XV desenvolveram-se as modalidades alegóricas de temática social e religiosa, representando o conflito entre o bem e o mal, a morte e a vida. Foram representadas também as virtudes cristãs como a castidade. Mas os motivos puramente humanos do teatro clássico grego e romano tornaram-se uma ameaça aos valores éticos da decadente estrutura feudal. O humanismo colocou o homem no centro do universo, favorecendo o incentivo à arte. Até a própria igreja adaptou as idéias humanistas incentivando a arte e as ciências, mesmo quando estas entravam em confronto com a doutrina cristã, resultando daí um grande desenvolvimento da arte profana. A cenografia e os textos passam por grandes transformações. No início do século XVI surge uma das primeiras companhias de atores. O teatro era uma forma de manifestação ligada a elementos nacionais e religiosos, aos poucos adaptados a temas profanos. No século XVII os ambulantes foram responsáveis pela expansão do teatro pela Europa afora, principalmente em países de língua alemã, em que as viagens eram acessíveis apenas para alguns privilegiados. As regras formais foram surgindo. Houve uma influência de tendências revolucionárias na produção literária na França, tendo acontecido então a decadência do teatro clássico. Conscientes do poder de persuasão da dramatização, os jesuítas criaram a principal vertente do drama religioso entre os séculos XVI e XVII. O teatro jesuítico deu origem ao teatro brasileiro e a vários teatros da América Latina como instrumentos de catequese. Surgem as primeiras reações do neoclassicismo, na década de 1730, vindas da classe média. Na Alemanha desenvolveu12

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se o movimento alemão do pré-romantismo. O modelo era Shakespeare. Logo, porém, a produção teatral caiu na estagnação. A duração do drama romântico foi curta e o repertório clássico voltou a dominar o teatro francês. Entre 1820 e 1830 foram publicadas e encenadas obras que inauguraram o drama romântico. O movimento romântico do início do século XIX despertou o interesse por temas históricos e uma preocupação obsessiva com a autenticidade dos cenários e figurinos. A veracidade dos recursos passou a exigir atitudes mais naturais também por parte dos atores. As companhias de teatro, até o final do século XIX estruturavam-se basicamente em torno de um ator principal, que centralizava também as decisões administrativas. Em 1866 é assumido o papel do diretor, e o teatro alcançou um nível até então desconhecido de harmonia de conjunto entre os atores. Entre 1874 e 1890 foi difundida a nova forma de trabalho por toda a Europa, e as inovações tecnológicas do período contribuíram para a tendência do teatro moderno. No decorrer do século XX proliferou no teatro uma mistura de tendências que variavam de país para país, de acordo com as tendências e interesses políticos das classes sociais. 2.1 Teatro no Brasil O teatro brasileiro teve origem, como já foi destacado, com os jesuítas. O padre José de Anchieta produziu alguns textos catequéticos e didáticos, influenciados pelos autos do português Gil Vicente, incluindo elementos indígenas. O desprendimento do teatro em relação à catequese surgiu a partir da Segunda metade do século XVIII, já em casas de óperas. A partir da independência em 1822, surgiu o romantismo e o sentimento nacionalista. Em 1833 é formada a primeira companhia de teatro brasileira. Começa a fase da comédia e do drama expressos em linguagem popular, bem como da sátira e da representação de situações cotidianas. Os grandes nomes da literatura brasileira na metade do século XIX, pouco acrescentaram, devido ao fato de que seguiam modelos franceses, em decorrência da inexistência dos nacionais. Martins Pena inicia o teatro de costumes. Há uma superação da ingenuidade e um avanço no domínio técnico. O estilo é simples e direto. No início do século XX a produção dramática passa a ter um caráter mais nacional, pelo fato de que tornou-se difícil as regras serem ditadas pelo teatro francês. E, 13

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com a Primeira Guerra Mundial dificultou-se a comunicação com a Europa. Por volta de 1930 o teatro foi caracterizado pela hegemonia dos atores, sendo que a fama deles atraía o público. Contra esse teatro acadêmico surge a influência modernista. É conquistado então o status do teatro como arte e não apenas como entretenimento. O teatro em 1941 aparece como resultado do trabalho de equipe e acontece a formação dos primeiros diretores brasileiros. Na década seguinte Maria Clara Machado – dedicada exclusivamente ao teatro infantil – fundou o grupo experimental O Tablado. Anos depois surge a fase tropicalista ligada ao momento político, tendo sido o elenco agredido pela platéia e suspensa a programação pela Censura Federal. Já nos anos 70 foram feitas sátiras políticas em forma de musical denunciando as injustiças sociais. No final do século XX destacaram-se a gaúcha Denise Stocklos, com espetáculos baseados em elaborada técnica corporal; Antônio Nóbrega, ator e músico, alcançando grande qualidade na linha de teatro popular, com raízes no cordel e no circo. Nelson Rodrigues ocupou os palcos e algumas das suas peças foram levadas para a televisão brasileira em meados da década de 1990, destacando aspectos realistas numa concepção que, nas palavras desse dramaturgo, pretendia apresentar “a vida como ela é”. Continuaram a ser feitas, outrossim, experiências tendentes à renovação da linguagem. 3 ARTE E EDUCAÇÃO NA PERSPECTIVA BRASILEIRA: BREVE HISTÓRICO DESSA RELAÇÃO O ensino da arte no Brasil percorreu sua trajetória de maneira bem lenta e impregnada de preconceitos, pois as atividades artísticas eram consideradas como acessório da cultura. Era um estudo destinado à elite, que muito valorizava a estética em seu caráter literário, acreditando que poderia defender a colônia culturalmente de seus invasores. 3.1 Arte e educação no Brasil, no século XIX Durante o século XIX, o ensino artístico superior antecedeu em muitos anos à sua organização a nível primário e secundário, tendo como base a argumentação de Paulino de Souza em 1870, de que seria possível a renovação do sistema de ensino primário.

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A Academia de Belas-Artes esteve por muito tempo a serviço do império e mais tarde foi totalmente colocada de lado, em decorrência de preconceitos e por razões políticas, já que seus organizadores eram franceses. A ordem estética também contribuiu para aumentar o preconceito, porque o Brasil deixara de seguir os modelos neoclássicos vindos da Europa, a fim de abrir espaço para o barroco-rococó, realizando uma arte que pretendia ser netamente brasileira por se diferenciar do modelo barroco. “Aqui chegando, a missão Francesa já encontrou uma arte distinta dos originários modelos portugueses e obras de artistas humildes. Enfim, uma arte de traços originais que podemos designar como barroco brasileiro”. (BARBOSA, 1999, p. 19) Os jesuítas influenciaram muito as atividades educacionais no Brasil, com sua rede de ensino bem estruturada. A arte como atividade manual e técnica era desvalorizada por causa da exploração de trabalho escravo e falta de atividades industriais, alicerçada em preconceitos contra o trabalho, em decorrência do hábito português de viver do trabalho de escravos. O trabalho, aliás, na mentalidade ibérica constituía uma espécie de castigo pelo pecado original. Daí que se considerasse desonra ter de trabalhar. Um nobre, que quisesse ver reconhecido o seu título, precisava, em Portugal e na Espanha, provar em cartório que nem ele, nem os seus pais, nem os seus avós tinham cometido o delito de trabalhar. O trabalho como gerador de valor não entrou, destarte, na mentalidade ibérica. Prevaleceu a idéia contra-reformista de que o trabalho é castigo e de que a riqueza é indesejável através desse meio. Somente seria válida a acumulação de riquezas na guerra justa contra o infiel. Em que pese esses preconceitos contra o trabalho, a atividade manual, exercida com moderação, era aceita como símbolo de refinamento. O texto a seguir de Félix Ferreira é bem significativo a este respeito: Duas têm sido as principais causas que muito têm concorrido para o vergonhoso atraso em que se acham entre nós as artes industriais; a primeira provém da falta de vulgarização do desenho, a segunda desse cancro social que se chama escravidão. O homem livre, ignorante em matéria de arte, vendo-a exercida pelo escravo, não a professa porque teme nivelar-se com ele, e o escravo, mais ignorante ainda, tendo pela arte o mesmo horror que vota a todo trabalho, de que tira proveito por alheio 15

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usufruto, não procura engrandecer-se, aperfeiçoando-a. (FERREIRA apud BARBOSA, 1999, p. 27) 3.2 Arte e educação no Brasil, no século XX Com a abolição da escravatura e o advento da Revolução Industrial, as artes aplicadas à indústria e ligadas a técnica começaram a ser valorizadas como redenção da economia no país e da classe obreira. O século XX se inicia com a afirmação na Educação primária e secundária da importância do desenho como linguagem da Técnica e da Ciência e como uma combinação de ordem literária para vencer o preconceito. Mas um progresso maior só aconteceu na segunda metade do século. A Arte aplicada à indústria começa a perder força abrindo espaço para novas concepções como possuindo qualidades artísticas capazes “de elevar a alma às etéreas regiões do Belo”.

Rui Barbosa influenciou muito com suas reformas e idéias e foi

considerado fiel intérprete da corrente liberal. Ele propôs o ensino obrigatório do desenho nas escolas, acreditava que o país poderia se desenvolver através da industrialização, sendo o desenho uma forma introdutória para a escrita e a própria indústria. Este foi um período de várias controvérsias. As idéias nessa época foram muito influenciadas por americanos, tendo sido Rui Barbosa em especial muito influenciado por Walter Smith. Na época dizia Rui Barbosa combatendo os que se posicionavam contra o ensino do desenho: Não percebem que, pela simplicidade das suas aplicações elementares ele (o desenho) tem precedência à própria escrita, que as aptidões naturais de que depende seu estudo são comuns a todos entendimentos, e de uma vivacidade particularmente ativa nos primeiros dias da existência humana. ( RUI BARBOSA apud BARBOSA, 1999, p. 36) O pensar sobre o desenho toma um novo rumo. Surgem idéias originais a respeito dessa atividade, como a de que não existe inaptidão ou falta de inteligência para o Desenho. Dizia a respeito Abílio César Borges: Cousa singular. Não há menino que não tente desenhar as idéias que lhe passam pelo tenro cérebro. Essas idéias são rabiscadas como um descanso ingênuo, que atesta uma tendência real e uma necessidade natural, que a educação deveria desenvolver 16

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em vez de sufocar como infelizmente acontece na maior parte dos casos. (BORGES apud BARBOSA, 1999, p. 36) O desenrolar das aulas de Desenho eram muito metódicas e técnicas, cria-se o primeiro manual de Desenho geométrico, livro puramente didático usado nas escolas com sucesso. É a primeira tentativa de educação em massa. Embora reforçando a idéia de ensino com fins industriais, combatia métodos verbalistas e orais, argumentando a favor da aprendizagem intuitiva através dos sentidos. Entretanto, esse tipo de ensino foi reduzido no Brasil a mera descrição de objetos desligados do ambiente natural e quase sem relação com a vida da criança. A pragmática defendida por Aníbal Matos era “Ensinar primeiro a trabalhar e depois a tirar partido do que se sabe aplicando a destreza técnica em resolver problema e em dar forma concreta às criações próprias”. (BARBOSA, 1999, p. 60) Georg Grimm, pintor alemão que chegou ao Brasil em 1874, passou a trabalhar com seus alunos ao ar livre, provocando mudanças no método, bem como a aprovação dessa prática como ideal de educação do sentimento. Essa atividade pedagógica passou a ser considerada como algo em sintonia com o bom espírito. A idéia de Arte como formadora dos princípios morais e éticos influiu muito tornando-se objetivo do ensino. Essa idéia também foi expressa pelo pensamento liberal do período, sendo muito significativas as palavras de André Rebouças a respeito: “O desenho é a escola primeira do belo. O justo, o bom e o belo formam uma trindade sublime”. (BARBOSA, 1999, p. 61) A respeito desse mesmo ponto dizia também Elysio de Carvalho em 1905: “A Arte porque ela é moral e social é um luminoso instrumento de comunhão entre todos os seres do Universo”. (BARBOSA, 1999, p. 62) O liberalismo e o positivismo representam os pontos divergentes mais acentuados. Os autores concordavam em que grandes reformas se impunham nos terrenos militar, político, religioso e educacional. A Benjamim Constant Botelho de Magalhães, proclamado fundador da República, coube elaborar a reforma educacional de inspiração republicana, denominada 17

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Reforma Benjamim Constant, que foi aprovada em 1890. As reformas positivistas alcançaram maior grau de influência no ensino secundário. Propunham a extinção da Academia Imperial de Belas-Artes e a reorganização do ensino da Arte, difundindo o ensino em todos os graus e também cuidando da preparação de professores para presidirem as aulas. A intenção explícita no projeto dos positivistas, segundo alguns autores, era fazer com que o aperfeiçoamento intelectual fosse considerado como a condição precípua para o progresso social e político, assim como a crise moral era considerada por eles como reflexo da crise intelectual. A arte era encarada como veículo eficiente para o desenvolvimento do raciocínio, desde que ensinada através do método positivo. Augusto Comte, mestre dos positivistas brasileiros, prescreve para as crianças de sete e oito anos até a puberdade uma educação estética livre, não inteiramente espontânea, baseada no ensino da poesia, da música e do desenho. Era previsto, outrossim, o ensino das ciências depois de quinze anos de idade. Essas providências não foram aceitas, contudo, pela Reforma Benjamim Constant, que pensava o Desenho de forma intuitiva, tendo o currículo um aspecto puramente formativo. Agora o que acontecia era uma oposição irredutível entre Arte e Indústria. Essa oposição fez com que as atividades educativas se voltassem para o desenho de ornatos em gesso, com modelos de frutos e flores, seguidas pelo ensino secundário. Com a morte de Benjamim Constant, sua reforma sofreu algumas modificações, embora mantivesse o caráter positivista. O currículo passa a ser uma preparação para a escola superior, diminuindo os conteúdos ligados à Geometria. Ambas as correntes do liberalismo e do positivismo concebiam o desenho como forma de linguagem. A primeira, tanto nos objetivos como nas metodologias foi pacífica, recebendo fortes influências dos Liceus de Arte, vinculados ao comércio, enquanto a segunda dominava a filosofia dos estudos, supostamente treinadores da mente e transmissores de cultura geral. O Estado de São Paulo foi modelo de organização do ensino primário e normal após a Constituição republicana de 1891. Abrigou escolas e alunos vindos de várias

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partes do país. Escolas fundadas ou que recebiam apoio de estrangeiros, foram também muito bem aceitas, por ministrarem os conteúdos em Português. Estudos ligados à psicologia contribuíram muito para concepções inovadoras na educação de crianças, possibilitando uma investigação acerca do desenvolvimento da criança antes de adotar métodos e objetivos, introduzindo entre os brasileiros a consciência de que a criança não era adulto em miniatura, mas um ser sui generis, com características próprias. Isso resultou em apresentação de dissertações, teses, mesmo que fragmentadas e que muito contribuíram para futuros trabalhos sobre a importância da Pedagogia. Entre alguns trabalhos apresentados surge pela primeira vez um que se refere ao grafismo infantil. Pela primeira vez o Brasil encarou o grafismo infantil como meio de investigação, como índice de processamento mental, e diagnósticos foram feitos para avaliar padrões estéticos e aptidões da criança, possibilitando chances para corrigi-los, o que resultou no respeito ao desenho como produção mental e estruturação de diversos aspectos do desenvolvimento. Em 1921 há uma preocupação com os conteúdos e métodos baseados na vivência e experiência visual da realidade vivida pela criança, retirando das aulas desenhos com modelos. As atividades teatrais e danças somente eram reconhecidas quando faziam parte de celebrações festivas da escola. Os alunos decoravam os textos e os movimentos cênicos eram tratados com rigor. A finalidade do teatro era apenas o da apresentação. A Semana de Arte Moderna em 1922 contribui para a caracterização do pensamento Modernista, no qual estiveram envolvidos vários artistas de diferentes modalidades como: artes plásticas, música, poesia dança e teatro. A encenação de “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues, em 1943, introduziu o teatro brasileiro na modernidade. A música tradicional na década de 30 teve representante significativo no Canto Orfeônico de Heitor Vilas Lobos, que difundia idéias de coletividade e civismo, bem condizentes com o momento político da época. Depois de trinta anos, o Canto Orfeônico foi substituído pela Educação Musical criada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) em 1961. 19

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Somente em 1971 a LDB permitiu a inclusão da arte no currículo escolar com o título de Educação Artística, considerada como “atividade artística” e não como disciplina. A Educação Artística era considerada como hora de lazer, descanso e relaxamento das disciplinas consideradas “sérias”. O professor era polivalente em Arte, independente de sua área de formação e habilitação. Os docentes desta área eram capacitados inicialmente por cursos de curta duração, seguiam livros didáticos com poucas orientações metodológicas e pouco diziam a respeito de bibliografias específicas. Os objetivos eram inatingíveis com atividades múltiplas, fragmentadas e divididas por faixas etárias. Na música houve um avanço na criação musical, tanto na música popular como erudita. Na área popular esse avanço começa por Pixinguinha e Noel Rosa e chega hoje ao movimento internacional, passando pelo momento de maior penetração da música nacional na cultura mundial, com a Bossa Nova. Com a Educação Musical, novos métodos são incorporados, havendo uma inovação onde a música era acompanhada com instrumentos musicais, podia-se dançar, cantar, expressar, socializar com outras crianças, improvisar e criar. Nos fins dos anos 60 e início dos anos 70, nota-se uma junção das manifestações, ocorrida fora e dentro das escolas, surgindo os festivais das canções e teatros, envolvendo estudantes. A partir dos anos 80 constitui-se o movimento Arte-Educação, com a participação de profissionais tanto formais como informais da área. A finalidade é conscientizar e organizar movimentos que ampliassem as discussões e valorização dos profissionais, que trabalhavam isolados dentro das escolas, e sem conhecimentos adequados na área. Com a reformulação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 1996 (Lei 9394/96), Arte é considerada disciplina obrigatória na educação básica. “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis e modalidades da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos”. (art. 26, §2º)

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É através das discussões em torno do assunto que se chega aos anos 90, lutando para reconhecer e identificar a área de Arte não apenas como atividade, mas como fator nitidamente educacional. Entre as propostas no Brasil no início deste século, destacam-se aquelas que tratam de estudos sobre a educação estética, estética do cotidiano, etc., ressaltando o encaminhamento pedagógico que tem como premissa o fazer artístico, apreciação da obra de arte e sua contextualização estética. 4 ARTE E EDUCAÇÃO – ASPECTOS PSICOLÓGICOS Não se pode imaginar o papel que caberá à arte, na formação do novo homem, mas não há dúvida que nesse processo, ela terá um grande peso considerando que a arte evoca os sentimentos e encarrega de fazer a fusão entre realidade e emoção. 4.1 A arte como catarse A psicologia da arte trabalha com um ou vários dos seguintes itens: percepção, sentimento e imaginação. A percepção auxilia os outros campos a agir visto que, segundo alguns teóricos, a arte é simplesmente a alegria proporcionada pelas coisas belas, constituindo a estética. A compreensão da psicologia da arte se dará a partir da fusão entre sentimento e imaginação. O campo do sentimento ainda é um pouco obscuro e mal estudado. Para a psicologia moderna é o mais enigmático e problemático. Consiste na relação dos fatos emocionais com o campo da fantasia. Titchener aponta o vago como a primeira dentre uma série de particularidades, distinguindo o sentimento da sensação. Em relação a esse ponto, escreve este autor: O sentimento não tem a propriedade de ser claro. O prazer e o desprazer podem ser intensos e duradouros, mas nunca claros. Isto significa – se passarmos à linguagem da psicologia popular – que é possível concentrar a atenção no sentimento. Quanto mais prestamos atenção à sensação, mais clara e precisa é a lembrança que mantemos dela. Entretanto não podemos, de maneira nenhuma, concentrar a atenção no sentimento, se tentamos faze-lo, o prazer ou o desprazer desaparecem imediatamente e se escondem de nós, e nos surpreendemos a nós mesmos observando uma sensação ou imagem qualquer que não pretendíamos absolutamente observar. Se quisermos auferir prazer de um concerto ou quadro, devemos perceber atentamente o que ouvimos e vemos; 21

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mal tentamos prestar atenção ao próprio prazer, este desaparece. (TITCHENER apud VYGOTSKI, 1999, p. 250) Alguns autores na psicologia empírica como Freud, Ovsiániko–Kulikovski, James e Ribot, apresentam pontos divergentes em relação ao fato de o sentimento ser consciente ou não. O sentimento, enquanto mecanismos nervosos, relaciona-se com o processo de consumo ou descargas de energia nervosa, considerados por Orchanski, Freud e por alguns psicólogos da arte. Ovsiániko–Kulikovski aponta que em nosso pensamento predomina a lei da memória e em nosso sentimento a lei do esquecimento, e toma como base de sua análise as emoções e as paixões. A oposição de sentimentos nos remete ao verdadeiro efeito da obra de arte, e nos aproxima do conceito de catarse. A lei da reação estética é uma só: encerra em si a emoção que se desenvolve em sentidos opostos. Como resultado, a reação estética reduz-se à catarse, como descarga de sentimentos, transformação mútua, angústia e leve alento. A estrutura da forma artística e o conteúdo são o que se pode definir como efeito catártico da reação estética. Schiller expressa essa idéia quando fala da forma trágica, com as seguintes palavras: Assim o verdadeiro segredo da arte do mestre consiste em destruir o conteúdo pela forma; e quanto mais magnificente, ambicioso e sedutor é o conteúdo em si, quanto mais seu efeito o coloca em primeiro plano, ou quanto mais o expectador tende a deixar se levar pelo conteúdo, tanto maior é o triunfo da arte, que desloca o conteúdo e estabelece seu domínio sobre ele. (SCHILLER apud VYGOTSKI, 1999, p. 272) A lei estética implica numa divergência interior entre conteúdo e forma. A base de várias estéticas é a emoção, vivenciada com a realidade e encontra a sua descarga na fantasia, que requer a percepção da arte. Ao gerar a sensação de sentimentos ilusórios, é nessa unidade que se baseia qualquer arte. 4.2 Psicologia da arte A contradição entre a forma artística e o material do conteúdo, define-se como parte central da reação estética. Forma parte também desta a contradição emocional denominada catarse, segundo estudos feitos pelo psicólogo soviético Liev Semiônovitch Vygotski (1896-1934). 22

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Em sua pesquisa analisa várias áreas das artes, não como fórmula prédeterminada para todos os campos, mas concentrando a atenção em fenômenos isolados. Ao tomar resultados de pesquisas, chega-se a resultados semelhantes, segundo opiniões de estudiosos da área da arte e da psicologia. Na poesia, a idéia de ritmo não se define mais como simples medida. Andriêi Biéli, pesquisador russo, definiu a alternância da cadência no verso como uma transgressão e não como a observação de uma regra. O mesmo caso ocorre, por exemplo, na música que não se constitui de um só compasso, e sim de um ritmo que nos dá a impressão de um complexo movimento. Em qualquer manual de métrica, a delimitação de conceitos de medida e ritmo ajuda a “criar com auxílio de palavras”. A respeito, escreve Jirmunski: Uma obra de arte totalmente subordinada, em termos sonoros, às leis da composição musical sem deformar a natureza do material verbal é tão impossível quanto fazer do corpo humano um ornamento e conservar ao mesmo tempo toda a plenitude do seu sentido material. Portanto, em poesia não existe ritmo puro como não existe simetria pura em pintura. Existe ritmo como interação das propriedades naturais do material verbal e da lei da composição da alternância, que não se realiza plenamente em função da resistência do material. (JIRMUNSKI apud VYGOTSKI, 1999, p. 275) Percebem-se normas e leis aplicadas ao verso que nunca conseguem ser atingidas, e é essa contradição entre medida e verso que constitui o fundamento do ritmo. A fusão de idéias antagônicas, presentes na essência da poesia, é que causa a sensação de contradição remetida à reação estética. Exemplo dessa reação estética é que quando na poesia o escritor refere-se à juventude, propõe primeiro a idéia de velhice e inclusive de morte; estão presentes, na criação artística, duas oposições extremas: vida e morte. O drama é uma modalidade da arte mais difícil de interpretação, ao dificultar a distinção entre conteúdo e forma, o que dificulta a compreensão. No estudo de obras de Shakespeare e Tolstoi, por exemplo, o elemento central é definido como sendo a linguagem. A mesma fórmula não se aplica apenas a poesia, mas também a outras manifestações da arte. 4.3 Arte e vida 23

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A questão central dos estudos no terreno da filosofia da arte é constituída pelo tema da relação entre a vivência estética e o comportamento humano. Os questionamentos são muitos, assim como são também variadas as opiniões. Para alguns autores é atribuído a esse ponto o maior dos méritos, enquanto, para outros, a questão é equiparada à simples divertimento e lazer. Interpretação da arte e psicologia estão intimamente ligadas, ao tentar correlacionar arte e vida. A criação artística tem o preceito de contagiar com sentimentos, como afirma Tolstói no seguinte texto: É nessa capacidade dos homens para se deixarem contagiar pelos sentimentos dos outros homens que se baseia a atividade da arte. Os sentimentos dos mais variados, muito fortes e muito fracos, muito significativos e insignificantes, muito maus e muito bons só constituem o objeto da arte se contagiam o leitor, o ouvinte, o espectador. (TOLSTÓI apud VYGOTSKI, 1999, p. 303-304) Dessa forma, a arte é interpretada como um amplificador e um transmissor do contágio pelo sentimento. Assim como os sentimentos podem ser bons ou ruins, a arte é uma linguagem que permite avaliar os sentimentos transmitidos por ela. A arte é suscetível de uma avaliação moral como concluem Tolstói e muitos outros autores. Sendo assim, se o conteúdo era aprovado eles, elogiavam o artista. Pelo contrário, quando a criação estética contradizia as próprias convicções, o artista era criticado. O primeiro caso se dá, por exemplo, quando um coro feminino acompanha o casamento da filha do protagonista. O segundo caso se dá na interpretação da sonata de Beethoven, por parte de um excelente músico. O canto das mulheres despertou sentimentos de alegria, ânimo e energia enquanto que a interpretação da sonata de Beethoven constituiu uma “tentativa fracassada” de uma arte sem nenhum sentimento. Tomando esse pensamento, a obra de arte não se resume somente ao contágio, e sim consiste em aspectos relacionados a uma série de emoções gerais como estado de ânimo, emoções religiosas, medo e confusão. Comparando música para dançar e música militar, a segunda não causa emoção bélica, podendo apenas envolver confusão, inquietações do psiquismo e medo.

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Aprofundando um pouco mais, a arte não se traduz apenas em transmissão de sentimentos de um artista para uma outra pessoa – seria reduzir a arte a uma aplicação tão somente quantitativa. A criação artística é algo mais transcende; o seu valor radica no poder de transformação; a sua finalidade consiste em produzir efeitos além do material préconcebido. A arte apresenta, de outro lado, o sentido social, como refere Bucher. Ele estabelece que a música e a poesia têm como meta resolver, pela catarse, a pesada tensão do trabalho, eliminando angústias e reforçando a luta pela existência. “Ora, frisa o autor mencionado, os povos da Antiguidade consideravam os cantos um acompanhamento necessário de qualquer trabalho pesado”. Quintiliano reforça a idéia de Bucher com as seguintes palavras: E parece que ela (a música) nos foi dada pela própria natureza para melhor suportarmos o trabalho. Por exemplo, o remador também estimula o canto, este é útil não só naquelas atividades em que os esforços de muitos combinam como também o cansaço de um encontra alívio no canto rude. (QUINTILIANO apud VYGOTSKI, 1999, p. 310) A possibilidade de superar na arte as maiores paixões que não encontram vazão na vida normal é o que constitui o fundamento da criação estética no campo biológico. O poder de superação é expresso por Nietzsche em A Gaia Ciência, com as seguintes palavras: Quando se perderam o estado normal de ânimo e harmonia da alma, foi preciso dançar sob o compasso do cantor, pois era a receita dessa medicina... E antes de tudo porque a embriaguez e o desregramento das emoções chegavam ao cúmulo, tornandoo furioso louco e fazendo o vingador saciar-se de vingança. (NIETZSCHE apud VYGOTSKI, 1999, p. 311) O comportamento se baseia no equilíbrio entre o organismo e o meio. Não há uma garantia de que esse equilíbrio se realize sempre de maneira harmoniosa e plana, podendo haver oscilações, que necessitam de vazão através dos “sentimentos, (que, pertencentes à função biológica) são o mais ou o menos da nossa balança”, como diz o professor Orchanski.

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Sherrington compara o sistema nervoso do homem a um funil, com a boca voltada para o mundo e o bico para a ação. O comportamento realizado representa uma ínfima parte de possibilidades que não tiveram vazão. E o que não foi realizado deva ser eliminado de qualquer maneira. O organismo foi colocado em equilíbrio com o meio, e eis que a arte parece ser o veículo para atingir e balancear o equilíbrio com o meio e o comportamento. A concepção de autores como Tolstoi, Freud e Schiller, que acreditam ser a arte um jogo, que completa a vida e amplia suas possibilidades, conduz essa teoria à redução e objeção de entende-la como ato criativo, concebendo-a somente como função biológica de exercitar os órgãos. São mais vigorosas as teorias que apresentam a arte como uma descarga indispensável de energia nervosa no equilíbrio do comportamento. Ao admitir o ato criador, não bastará vivenciar com sinceridade o sentimento que dominou o autor, é necessário superar com criatividade o sentimento e encontrar a catarse, e assim consumar o efeito da arte. 4.4 O sentido social da arte Vygotski acredita ser ingênuo considerar o social apenas como o coletivo. O social existe até mesmo onde há um homem e suas emoções pessoais. Quando a arte realiza a catarse e arrasta para purificar emoções mais íntimas em uma alma individual, o efeito produzido é um efeito social como afirma este autor: “A refundição das emoções fora de nós realiza-se por força de um sentimento social que foi objetivado, levado para fora de nós, materializado e fixado nos objetos externos da arte, que se tornaram instrumento da sociedade”. (VYGOTSKI, 1999, p. 315) A arte é uma técnica social do sentimento, um instrumento da sociedade capaz de incorporar o ciclo vital e social refletidos através dos sentimentos pessoais e íntimos do ser. Segundo Vygotski, Guyeau atribui importância fundamental ao fato daquilo que a arte desempenha na sociedade, porém apresenta a questão de forma primitiva, nos seguintes termos:

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Ela pronuncia a palavra que estávamos buscando, faz soar a corda que continuava esticada e muda. A obra de arte é um centro de atração como o é a vontade ativa de um gênio superior, e se Napoleão arrebata a vontade, Corneille e Victor Hugo a arrebatam igualmente, embora o façam de outro modo... Quem conhece o número de crimes que foram e ainda continuam sendo provocados por romances com assassinatos? Quem conhece o número de devassidões reais suscitadas pela representação da devassidão? (GUYEAU apud VYGOTSKI,1999, p. 316) A questão das influências não deve ser caracterizada como se na vida se desse continuidade àquilo que a arte sugere. A representação de um adultério, por exemplo, não acarreta em devassidão, as relações de arte e vida são complexas. Hennequin apresenta com mais ponderação a diferença entre emoção real e estética. Esta não é refletida por nenhuma ação; porém se estas são repetidas de modo insistente, podem servir de base para o comportamento, e o tipo de leitura pode chegar a influenciar na personalidade. A respeito, frisa este autor: A emoção que a obra de arte comunica é incapaz de traduzir-se em ações de modo imediato e direto e, neste sentido, as emoções estéticas diferem acentuadamente das reais. Contudo, por representarem um fim em si mesmas, por encontrarem justificação em si mesmas e não se manifestarem imediatamente através de uma ação prática, as emoções estéticas podem, uma vez acumuladas e repetidas, redundar em resultados práticos substanciais. Estes resultados são condicionados tanto pela propriedade geral da emoção estética como pelas propriedades peculiares a cada uma dessas emoções. O exercício reiterado de um determinado grupo de sentimentos sob a influência da invenção, de disposições irreais da mente e em geral de causas que não suscitam ações, ao desacostumarem o homem para manifestações ativas debilitam indubitavelmente a propriedade geral das emoções reais: a sua tendência a traduzir-se em ação (...). (HENNEQUIM apud VYGOTSKI, 1999, p. 316) Na visão dos teóricos Guyeau e Hennequim, a questão se resolve em alternativas simples em face da primitiva emoção estética: esta ou instiga ou desabitua. Para Vygotski a arte exige resposta, motiva certos atos e atitudes, aspirando o que está por trás da vida, organizando o comportamento para o futuro. No caso da música, por exemplo, motiva para alguma coisa de excitante, mas sem uma reação concreta a uma atitude, agindo 27

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de modo a purificar o psiquismo, fazendo explodir para a vida potencialidades reprimíveis ou recalcadas. 4.5 O sentido pedagógico da arte segundo Vygotski Desde a Antiguidade, a arte é compreendida como meio e recurso educativo, canal de modificação duradouro do comportamento. A crítica da arte assume um papel dual. Pode estudar, de um lado, as conseqüências da arte, orientando de forma pedagógica a criação e a apreciação estética, sem que isso signifique pretender a preparação do espectador ou leitor para a percepção da obra de arte. A crítica aponta a vital relação social entre a arte e os fatos gerais da vida, mobilizando as forças conscientes para sentir os impulsos suscitados pela arte. Outro objetivo consiste em conservar a ação da arte como arte, não permitindo que o leitor disperse as forças geradas por ela, para substitui-las por impulsos puramente racionais e moralizadores. A arte provoca inquietações, às vezes, o que é difícil entender porque o nosso comportamento se organiza segundo o princípio da unidade, representada pela consciência. Quando a apreciação artística provoca a inquietação, a consciência busca, naturalmente, dar vazão a esta, o que consegue no seio da catarse. Um objetivo central da crítica materialista consiste em tentar encontrar o sentido da arte, considerando-a como um fato extra-estético. Ao tentar encontrar o equivalente social de dado fenômeno literário, através da crítica materialista, seria negado o valor estético. A idéia de que arte na educação é algo de caráter fantasioso, ou de que obedeça a mecanismos de publicidade, tento em vista a pedagogia de séculos passados, é exposta por autores como Gershenzon e Longino. Segundo Aikehenvald seria desnecessário lecionar literatura, porque exigiria algo criador fora das disciplinas, sendo impossível tal experiência em sala de aula. O ato artístico é considerado um ato real quanto aos outros movimentos do nosso ser e não como algo místico da alma. O que fica claro é que o ato artístico é criador e, assim sendo, não é possível concebê-lo através de operações puramente conscientes. Isso; não significa que todos os atos conscientes foram suprimidos. Ensinar o ato criador da arte é impossível, entretanto isso não implica que o educador não possa contribuir para a 28

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sua formação e manifestação, porque através da consciência é que se penetra no inconsciente, e o ato artístico incorpora ao conhecimento racional concepções precedentes, identificações, associações, etc. Ao organizar a consciência que vai de encontro à arte, assegura-se o sucesso ou insucesso que possa ter a apreciação de uma determinada obra de arte. A respeito, S. Molojavi afirma: O processo concluído, embora não acionado, da nossa reação a um fenômeno. Esse processo (...) amplia a personalidade, enriquecendo-a com novas possibilidades, predispõe para a reação concluída ao fenômeno, ou seja, para o comportamento, tem por natureza um sentido educativo (...).(MOLOJAVI apud VYGOTSKI, 1999, p. 325) Na arte infantil é importante a orientação especial, o que sugere uma afinidade psicológica entre arte e o jogo para crianças, porque a arte não desempenha, nelas, as mesmas funções que no comportamento do adulto. O exemplo claro é o desenho infantil que não faz parte da criação artística, porque através dele a criança ainda desconhece a concepção de que a própria linha pode expressar estados de ânimo ou inquietação da alma. A consciência de que traços e linhas revelem movimentos expressivos, ocorre posteriormente. A criança não representa, nos seus traços, fenômenos e sim esquemas, revelando, com isso, uma peculiaridade que difere da atividade do adulto. O jogo de faz-de-conta é que explica o sentido da arte na vida infantil, proporcionando à criança criar às avessas para assim se afirmar no mundo real. A arte ainda é um mundo infinito de descobertas para o futuro, assim como o homem e a vida. 5 ARTE E EDUCAÇÃO NA ESCOLA – RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA Durante o ano letivo de 2002, lecionei a disciplina de Cultura Religiosa na Escola Estadual “Gal. Silvano Abertoni”. Os módulos de aulas semanais se concretizavam em cinqüenta minutos por turma. É uma disciplina que há muito tempo vem sofrendo modificações nas escolas. A concepção metodológica das aulas, a visão do ser humano como um ser integral, a mudança do pensamento sobre a educação como construção do conhecimento, fundamentaram a renovação nas aulas de Cultura Religiosa, disciplina que anos atrás era denominada de “Ensino Religioso”, objetivando uma educação evangelizadora. Atualmente, a mencionada disciplina é baseada numa educação laica, 29

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reforçada legalmente na LDB e, na prática, em sala de aula, é calcada em valores direcionados à formação humana, em busca da assimilação, pelos alunos, dos ideais de igualdade e solidariedade, que acarretam o predomínio da atitude de respeito em face dos seres humanos. Pensando no sentido da educação como formação humanística, senti necessidade de um trabalho em busca da totalidade da pessoa. Busquei compreender a problemática de vários pontos de vista dos educadores. Na Escola Estadual “Gal. Silvano Abertoni”, de Barroso, algumas das preocupações eram a indisciplina, a falta de autoestima e a agressividade que afetavam um grupo pequeno de alunos. Estariam o comportamento e os valores desses alunos ligados à condição sócio-econômica? Num grupo determinado de alunos, a agressividade e indisciplina que comprometem a convivência comunitária com colegas e professores, numa primeira abordagem, apresentava um fator comum de comportamento na vida desses pequeninos: a falta de auto-estima e a apatia os incomodavam em sua forma de viver. Em meio a comportamentos a princípio opostos, é que a necessidade de compreensão e intervenção direta surge para que se faça um trabalho com esses alunos. A prática pedagógica visa principalmente procurar compreender o que está subjacente às atitudes diárias, na tentativa de identificar, compreender e construir as potencialidades humanas. A realidade social e econômica desses alunos ultrapassa o sentido do que se espera da escola como promotora da cultura, da igualdade e da justiça. “Os problemas atuais não têm como causa a divisão em si dos conhecimentos em áreas específicas, mas (ancoram)

na

visão

de

mundo,

na

constelação

de

valores

que

foi

sendo

construída”.(CARDOSO, 1995 , p. 81) 5.1 Caracterização da cidade Na região mineira do Campo das Vertentes situa-se a cidade de Barroso, com 23 mil habitantes, a uma distância de 200 Km da capital do estado, Belo Horizonte. Seus primeiros habitantes foram os portugueses. O eixo econômico da cidade concentra-se nas seguintes atividades: agropecuária, comércio e indústrias nas áreas de produção de cimento, calcificação, cerâmica, laticínios e empresas de transporte. A maior parte da população pertence à classe média-baixa. Os dezenove bairros da cidade podem 30

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intercomunicar-se através de dois veículos de transporte coletivo que, a cada sessenta minutos, passam pelo centro da cidade. A população conta com uma emissora de rádio local. Em Barroso, encontram-se as seguintes repartições públicas: Câmara Municipal, Prefeitura Municipal, Administração Fazendária, Cartório de Registros Civil e Fórum de Justiça. A segurança pública é feita através de policiamento regular, com três radiopatrulhas, além do serviço de trânsito. A cidade não possui um mercado municipal. O abastecimento da comunidade se dá através de um número suficiente de supermercados, lojas, açougues, armazéns e farmácias. Quanto à saúde, o município possui um posto de atendimento no centro da cidade, além de pequenos postos em bairros menores – o que pode ser observado na maior parte das cidades brasileiras. Os serviços prestados nestes postos são os de consultas médicas, consultas odontológicas, imunização e curativos. Além destes serviços, Barroso possui um hospital para atendimentos que requeiram prazo maior de intervenção dos profissionais da saúde. A Companhia de Saneamento de Minas Gerais (COPASA) é o órgão responsável pelo tratamento e abastecimento de água à comunidade. Grande parte das ruas é calçada e possui rede de esgoto. A coleta de lixo é feita pela Prefeitura, na freqüência de duas vezes por semana nos bairros periféricos e diariamente nas ruas do centro da cidade. O lixo recolhido não é tratado ou reciclado, mas jogado em um depósito a 4 Km da cidade. A recreação e esporte são oferecidos através de três estádios de futebol, dois clubes recreativos e um ginásio poliesportivo. O Centro Cultural de Barroso, organizado e mantido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura mantém cursos de balé, aula de música, e banda de música. Há cinco escolas municipais de educação infantil, quatro escolas municipais e três estaduais de primeiro ciclo de Ensino Fundamental, quatro escolas estaduais de segundo ciclo de Ensino Fundamental e uma escola estadual de Ensino Médio. A rede privada possui três escolas de educação infantil e uma de segundo ciclo do Ensino Fundamental e Médio, uma escola de Supletivo integrado, um cursinho pré-vestibular mantido por uma cooperativa, além de cursos profissionalizantes que funcionam em convênio com a Escola Agrotécnica Federal de Barbacena.

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Algumas entidades participam efetivamente da vida da cidade, cooperando com instituições sociais como o Instituto Nossa Senhora do Carmo, responsável pelo Asilo e pelo Hospital, as Conferências Vicentinas, as Irmãs Franciscanas, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), bem como associações de bairros. Barroso, embora seja uma cidade pequena, há muito enfrenta problemas de poluição atmosférica, falta de moradia, saneamento básico, violência, muito semelhantes, aliás, aos enfrentados pelas cidades de grande porte em nosso país. O tempo ocioso de nossas crianças e jovens também é fator de desequilíbrio social. (PAIVA, 2002, p. 22-23) Neste contexto se encontra a Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni”, situada num pequeno bairro na periferia da cidade; esse bairro conta com um supermercado, um posto de saúde e duas igrejas. O transporte dos moradores é feito de duas em duas horas. Através do quadro de carências sofridas pelos nossos alunos é que tentamos, enquanto pessoas inseridas na sociedade, compreender as várias manifestações da problemática social que, por vezes liberta por vezes reprime. A situação leva a acreditar que talvez por isso, por não se adaptarem ao contexto social e escolar, é que muitos indivíduos vão sendo marginalizados tanto pela sociedade quanto pela escola e vão manifestando esta exclusão e contra ela protestando a seu modo, razão pela qual, “o indivíduo passa a ser rotulado como portador de desvios inaceitáveis, condizendo com o modelo imposto pelo grupo dirigente responsável pela manutenção da ordem”. (PAIVA, 2002, p. 23) 5.2 Da comoção à prática O primeiro passo de muitos consistiu na necessidade de descobrir, de maneira informal, quais são os maiores problemas enfrentados pelos alunos, bem como as suas frustrações e os anseios dos mesmos. Foi proposta uma dinâmica de grupo em cada sala, abarcando um número de sessenta alunos participantes. A atividade foi bem descontraída e os alunos demonstraram grande interesse pelo jogo denominado por mim de “Caixinha dos sonhos”. A brincadeira consistia em cada aluno pensar qual o maior sonho que desejaria realizar e depois escrevê-lo num papel sem identificação e depositá-lo numa caixinha de aparência atraente, que lembrava uma embalagem de presente. Todo um clima de harmonia foi preparado para que os alunos refletissem e se sentissem à vontade, num ambiente de relaxamento, com uma música tocada baixinho, num pano de fundo de 32

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silêncio que permitia a cada um viajar em seus pensamentos, todos deitados de maneira bem confortável no chão. Observou-se uma curiosidade: alguns dormiram, tamanho foi o momento de relaxamento e de reflexão. Realizada a primeira etapa, que consistiu no depósito dos papéis na caixa, fomos adiante, partindo para a análise dos sonhos. Montamos um gráfico no quadro, identificando os sonhos de maneira a criar relação com o amor, a profissão, a família, a espiritualidade, os bens materiais e a ecologia. Foi mantido o respeito pelos que não se sentiram à vontade para opinar. Nota-se uma necessidade de amor muito grande, tomando como material de estudo as respostas dos alunos e o gráfico que resume o resultado da pesquisa. Mesmo a carência econômica sendo muito grande nesta escola, o resultado apresentou que existe uma carência muito maior de afeto, carisma e compreensão. Cada vez mais se constata a certeza de que é necessário fazer algo para a busca da felicidade, não com a pretensão de encontrar a felicidade, mas com o intuito de ajudá-los a sonhar e fazê-los acreditar que muitos sonhos são possíveis de se realizar. Outro momento de estudo foi a distribuição de um questionário aos profissionais da escola, visando compreender o perfil dos profissionais que conviviam com os alunos e que eram vistos como co-responsáveis pelo desenvolvimento integral de cada um deles. A Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni” conta com o trabalho de uma diretora, uma secretária, uma auxiliar de Secretaria, duas ajudantes de Serviços Gerais, uma auxiliar de Biblioteca, um supervisor, seis professores regentes de turma e dois professores das matérias específicas de Educação Religiosa e Educação Física. O Quadro de funcionários é suficiente por se tratar de uma escola pequena que comporta cento e quarenta alunos na primeira etapa do Ensino Fundamental e setenta alunos na segunda etapa do Ensino Fundamental. A formação profissional dos funcionários da escola, na maioria, se concretiza com curso de pós-graduação, vários cursos de aperfeiçoamento e capacitação, custeados pelos próprios professores. A cada curso em que o professor participa, suas concepções de educação vão se ampliando de maneira a enriquecer o trabalho de cada um deles; em contrapartida, não existe um interesse muito 33

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grande em participar, de forma contínua, de mais cursos, já que não existe um incentivo político por parte do governo, no sentido do facilitar o custeio financeiro e a valorização profissional. Os professores pesquisados afirmam apaixonadamente que a escolha da profissão ocorreu como um sacerdócio, a atividade profissional sempre foi algo prazeroso e recompensador na vida de cada um deles, e a pretensão de finalizar carreira na educação é desejo visível na pesquisa. A leitura em nossas escolas ainda é um pouco precária, fator primordial nas deficiências educacionais que afetam aos nossos alunos e professores. Falta em nosso país a cultura da leitura, justificada por vários motivos, como falta de recursos para aquisição de livros, tempo escasso, o gosto pela leitura não desenvolvido no seio da escola. Os livros disponíveis muitas vezes são substituídos por textos didáticos desconexos da realidade do aluno e impostos como requisitos fundamentais à alfabetização. Assim como acontece com a leitura, temos a arte mal compreendida ainda em nossas escolas, num contexto em que ela é reduzida a conceitos de corriqueiras atividades artísticas e artesanais. Quando se pergunta o que é arte, paira uma incerteza no ar e insegurança para expressar o sentido que ela possui em nossas vidas e nas escolas, apesar da afirmação de que se trabalha atendendo a variadas áreas da arte, em muitos momentos do período escolar da criança. Fica uma insegurança clara quando se questiona sobre arte nas escolas. Seria talvez pela falta de preparação e também devido ao contexto em que foi sendo colocada a arte ao longo dos tempos em nossa história? A maneira como são tratados os fatores éticos e morais, vem passando por significativas mudanças, mas não desvinculadas do antigo paradigma moralista da escola tradicional. A transição é lenta e gradual, a escola ainda resiste em despertar para o novo modelo de educação, voltada para a construção do conhecimento e formas alternativas de convivência, como recursos capazes de humanizar o processo educacional e social. Através da pesquisa diagnóstica, pude perceber alguns fatores que influenciam a educação dos alunos. A orientação para o trabalho fica mais clara, ao nortear os passos por onde o aluno deve começar. Início este baseado na idéia de jogos teatrais que têm como objetivo ampliar e orientar as possibilidades de expressão do aluno. Os alunos atuando, encontram-se frente aos problemas que necessitam de soluções e que envolvem, para

serem

equacionados

devidamente, 34

observação,

imaginação,

percepção,

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relacionamento, espontaneidade, equilíbrio, ritmo entre outros. Através de estudos efetuados por Olga Reverbel, pode-se concluir que “o modo como cada um aborda e resolve estas dificuldades revela ao educador as tendências e a personalidade do aluno”. As atividades de expressão libertam a personalidade pela espontaneidade e formam-na pela cultura. As atividades artísticas permitem que a criança se auto-expresse ficando claros seus sentimentos, as suas frustrações e ansiedades, mantendo um clima geral de liberdade e respeito. A princípio alguns alunos ficam apreensivos, não participando das brincadeiras. Mas constatou-se que, aos poucos, sentiram-se tentados pelo aspecto lúdico dos jogos teatrais. A dificuldade em manter contato físico com os colegas é fator de observação freqüente, assim como a necessidade de formar pequenos grupos de trabalho, visto que grandes grupos não resultaram em trabalho satisfatório. O envolvimento descontraído dos alunos foi motivo para muitos não quererem parar de brincar, surgindo alguns protestos quando a atividade era finalizada. As atividades foram a cada dia se apresentando mais agradáveis. As formas de comportamento (no que diz respeito à concentração ao longo das aulas com a regente de turma), a convivência com os colegas, a participação ativa nas aulas, entre outros fatores, foram ganhando cada vez mais aceitação. A avaliação em torno de todo o trabalho foi efetuada por mim e pela regente de turma, com troca de relatórios sobre o desenvolvimento no comportamento e na aprendizagem. Após cada jogo teatral, a avaliação acontecia de forma coletiva, em ritmo de constante diálogo livre e respeitoso. O aluno observava, analisava, percebia detalhes e se expressava, desenvolvendo assim seu senso crítico. A cooperação era primordial para que a avaliação acontecesse de forma construtiva, permitindo a transformação de atitudes. Coube-me a incumbência de conduzir situações de reflexão, objetivando evitar julgamentos sumários. Afinal, o que é certo? O que é errado? Outros instrumentos de avaliação foram usados como desenhos livres, fotos e dramatizações. Foi proposto o tema: “O perigo das drogas em nossa vida”, para que os alunos com orientação dos professores da escola pudessem escrever a peça teatral e dramatizá-la. O resultado foi surpreendente. O envolvimento de todos na escola, a animação e o interesse geraram um clima de interação, cooperação e trabalho em equipe,

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possibilitando assim verificar que “quando o trabalho nos causa prazer podemos dizer que é fácil, que é simples de realizá-lo”.(REVERBEL, 1996) CONCLUSÃO De acordo com o compromisso em se promover uma educação para a cidadania, pensa-se atualmente uma educação ativa, dinâmica, capaz de preparar o homem para viver numa realidade imprevisível. Mesmo com esses pressupostos, a necessidade de formação permanece viva, a fim de garantir a semeadura de valores e a articulação entre o individual e o coletivo. No que diz respeito à formação, trata-se de preparar um homem mais feliz, que acredite com mais intensidade em suas potencialidades, que aprenda a viver de forma mais agradável e serena e, conseqüentemente, esteja mais predisposto à aprendizagem, entendendo-a como aspecto necessário ao crescimento intelectual. O trabalho realizado na Escola Estadual “Gal Silvano Albertoni”, numa experiência de troca entre educadores e educandos, muito tem a contribuir para os pressupostos aqui mencionados, como também para a orientação dos professores no sentido da renovação pedagógica. A arte, em todo o seu contexto, eleva os sentimentos, permitindo a liberação das angústias e dos medos, abrindo espaço para as alegrias autênticas, aquelas que se relacionam com o crescimento da pessoa. Em sala de aula ou no auditório da Escola Estadual “Gal. Silvano Albertoni”, a satisfação foi perceptível aos olhos de educadores sensíveis às reações de seus alunos, como também ao sentido que a arte proporciona. O momento das dramatizações é a hora do educando; antes rotulado como “indisciplinado, desanimado, insensível”, surpreendeu a todos, mostrando que é capaz de ir muito além dos julgamentos sumários. Ali existe uma mágica própria que o teatro conserva. Mágica essa capaz de transformar as pessoas e transporta-las ao mundo de sonhos e realizações.

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O lúdico nos jogos teatrais transforma a seriedade pacata da escola, em instrumento de aprendizagem com seriedade prazerosa. Dentre os valores fundamentais à harmoniosa convivência entre os homens, está a tolerância. É necessária na compreensão do outro, exige disponibilidade para colocar-se em seu lugar e enriquecer a própria perspectiva com a percepção das relações originadas no novo ponto de vista, pressupondo uma educação democrática. O presente trabalho relata a pesquisa de uma educadora autor preocupada com o sentido da escola na vida de “nossos pequeninos”. A acredita na arte como capaz de invadir os corações e contribuir para um universo mais sereno. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco, seleção de textos de José Américo Motta Peçanha; tradução de Leonel Vallando e Gerd Bornheim, São Paulo: Nova Cultural, 1987, 27p. BRASIL. MEC - Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: apresentação dos temas transversais, ética. Brasília: 1997. 146p. ______. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Brasília: 1997. 130p. ______. Parâmetros curriculares nacionais: introdução. Brasília: 1997. 126p. BARBOSA, Ana Mae. Arte-educação no Brasil. 3ª edição. São Paulo: Perspectiva, 1999, 132p. CARDOSO, Clodoaldo Meneguello. A canção da inteireza – Uma visão holística da educação. São Paulo: Summus, 1995, 92p. CYRANKA, Lúcia F. Mendonça; SOUZA, Vânia Pinheiro de. Orientações para normalização de trabalhos acadêmicos. 6. ed. ver. atual. Juiz de Fora: EDUFJF, 2000. 89p. ENCICLOPÉDIA, Barsa. São Paulo: Encyclopaedia Britannica do Brasil, 1986. v. 15. JAEGER, Werner. Paideia: los ideales de la cultura griega. Tradução ao espanhol de Joaquín Xirau. México: Fondo de Cultura Económica, 1967. NIETZSCHE, O nascimento da filosofia na época da tragédia grega, in: Os Pré-socráticos, textos selecionados por José Cavalcante de Souza; tradução de Rubens Rodrigues Torres Filho, São Paulo: Abril Cultural, 1973, 62p. PAIM, Antônio; PROTA, Leonardo; RODRIGUEZ, Ricardo Vélez. Educação para a cidadania: Compêndio. 2. ed. Londrina: UEL, 1999. 235p. PAIM, Antônio. História das Idéias Filosóficas no Brasil, 3ª edição revista e ampliada, São Paulo: Convívio / Pró-Memória / Instituto Nacional do Livro, 1984, 332 p. PAIVA, Cleia Maria Campos. A relação entre auto-estima e a indisciplina escolar – O caso dos estudantes da Escola Estadual Sant’Ana, em Barroso (MG). Juiz de Fora: CES, 2002 (Dissertação de Mestrado).

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Figura A – Grupo de alunos, sujeitos da pesquisa.

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