Um estudo observacional sobre o vinculo afetivo de - Mackenzie

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importantes subsídios para o trabalho preventivo com bebês, suas famílias e .... O primeiro objeto com o qual o bebê se relaciona é a mãe e o alimento que ela ...
Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

UM ESTUDO OBSERVACIONAL SOBRE O VÍNCULO AFETIVO DE BEBÊS ABRIGADOS EM INSTITUIÇÕES Leia Aparecida Siqueira Aparecida Malandrini Andriatte(O) RESUMO: O estudo do relevância

para

as

vínculo afetivo tem assumido grande

pesquisas

não

apenas

psicanalíticas, como

também, em diversas áreas das ciências humanas, fornecendo importantes subsídios para o trabalho preventivo com bebês, suas famílias e instituições. Analisar as particularidades do vínculo afetivo nos bebês institucionalizados, verificar se o desenvolvimento afetivorelacional poderia ser comprometido pela institucionalização, foram os objetivos deste estudo. Realizou-se observações semanais com dois bebês, com uma hora de duração com cada um deles, totalizando dezesseis horas. O método utilizado foi o de Observação de Bebês proposto por Bick (1964).

Em seguida os dados foram

analisados

de

através

de

uma

ficha

interpretação

específica

desenvolvida por Andriatte (1994), destacando-se pontos relevantes para a análise da vida mental do bebê. Os resultados revelaram que há

comprometimento

observados, com

no

desenvolvimento

afetivo

dos

bebês

intensificação das ansiedades persecutórias e

depressivas, evidenciando que as contínuas experiências de privação afetiva a que estão submetidos e, a falta de uma pessoa com quem possam se vincular estavelmente, podem

trazer graves distúrbios

para o desenvolvimento destas crianças , comprometendo suas condições de vinculação com o meio ambiente. Concluiu-se que um trabalho psicoprofilático nas instituições que abrigam menores, devem ser desenvolvidos priorizando-se a qualidade das relações e sensibilizando os profissionais para este aspecto, sendo este um fator decisivo para um grau mais saudável de desenvolvimento em bebês nestas condições.

Leia Aparecida Siqueira; Aparecida Malandrini Andriatte

Palavras-chave: Observação de bebês; Desenvolvimento infantil; Psicologia Institucional Psicanálise AN OBSERVER STUDY ABOUT THE EMOTIONAL CHAIN OF BABIES ON INSTITUTION CONDITIONS ABSTRACT: The study of the emotional chain has been assumed a big release, not only psychoanalyse, but in several parts of the human science, giving importants subventions for the avoiding work with babies, their families and the institucions where they belong. To analyse the peculiaritiesof the emotional chain of institucionalities babies

and

check

if

the

emotional-relation

develop

could

be

compromissedby the institution, were the purpose of this work. There were weeklies watches with two babies, with one hour each, totalysing sixteen hours. The method used was the Observation

Babies

by Bick (1967). After that, the results had been

analysed through a specific version file developed by Andriatte (1994), showing the important facts to analyse the mental life of the babies. The results revealed the existence of commitment in the emotional development of the babies watched, with a strong intensity of the persecution and defensive anxieties, showing that the severals expiriences of emotional privattion lived by these children, and the fault of a person who can chain an estable statement, could bring serious disorders to the development, commiting treirs conditions of tieing with the ambient. Concluding that a psycoprophylactic work in the institucions that takes kidis, should be develop by the telacions quality and sesibilysing the professionals to this fact, that is a determined fact for the possibility of an healthier development in these conditions

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Um estudo observacional sobre o vínculo afetivo de bebês abrigados em instituições

Keywords:

Babies

Observation;

Childhood

development;

Institucional Psycology; Psycoanalyse Introdução Este trabalho abrangeu uma clientela pouco explorada pela literatura existente, pois são escassas as pesquisas com bebês institucionalizados no que se refere ao desenvolvimento psíquico e suas

relações

vinculares.

Este

campo

de

trabalho

é

vasto

considerando-se o número de instituições destinadas às crianças abandonadas no país e a burocracia que impede a agilização do processo de adoção, que hipoteticamente poderia reverter a situação de pouca estimulação e contato pessoal que a maioria dos bebês nestas condições experimentam. Foram estudadas as primeiras relações afetivas e como elas se efetivam, quando um bebê é privado da figura materna e é submetido a uma rotina de uma instituição, considerando-se o pouco contato pessoal e o tratamento indiscriminado que ali existem. Para não cometer o erro de lançar críticas infundadas ao trabalho institucional com bebês, é de grande utilidade apresentar-se o conceito de instituição. Fenichel, (1946, apud Lyth,1988)) escreveu que as instituições sociais surgem pelos esforços do homem em satisfazer suas necessidades. A partir daí as instituições sociais tornam-se realidades externas – relativamente independentes dos indivíduos – que afetam a estrutura destes. Seguindo esta observação, Lyth (1988) considera que as instituições, uma vez estabelecidas, podem ser extremamente difíceis de mudar em seus elementos essenciais, podendo modificar a estrutura de personalidade de seus integrantes, de forma temporária ou permanente. deram início à

Foulkes (1948) e Bion (1961) (apud Lyth,1988)) importante tarefa de construir uma ponte entre a

psicanálise e os grupos e instituições. Bion enfatiza a dificuldade dos

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seres humanos em, relacionarem-se uns com os outros de forma realista em uma tarefa conjunta. A contribuição da psicanálise para a prática institucional, comumente chamada de consultoria é orientada no sentido de facilitar mudanças em benefício do cliente, que pode ter sua personalidade modificada em função da dinâmica institucional. Neste contexto, talvez mais importante do que o conteúdo sejam os processos dinâmicos que ocorrem nas instituições em níveis tanto conscientes quanto inconscientes. É de extrema utilidade também, observar

as

defesas

desenvolvidas

para

lidar

com

conteúdos

provocadores de ansiedades e as dificuldades para realizar uma tarefa comum. As teorias acima descritas foram consideradas em termos da postura da observadora e seus contatos com a instituição,

o

presente trabalho, no entanto, não realizou qualquer tipo de intervenção psicológica na instituição. O Bebê e suas primeiras relações O primeiro objeto com o qual o bebê se relaciona é a mãe e o alimento que ela proporciona. Partindo deste princípio, Klein ( 1952), estabeleceu que o melhor critério para compreender o mundo particular dos bebês seria estudar suas atitudes com relação ao alimento, isto porque a gratificação está tão intimamente relacionada ao objeto que dá

o alimento, como também, com o próprio

alimento. É da relação entre mãe–bebê que se desenvolve a primeira relação objetal do recém-nascido e ainda só podendo se desenvolver quando a ansiedade não é excessiva, considerando-se aqui os dois sujeitos. Um boa relação objetal num estágio primitivo , constitui um ponto fundamental para as relações futuras com as pessoas e para o desenvolvimento emocional como um todo. Segundo

Klein

(1952)

geralmente

as

dificuldades

de

amamentação que ocorrem no princípio da vida estão associadas à ansiedade persecutória. Os impulsos agressivos do bebê em relação Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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ao seio materno, podem transformá-lo, em suas fantasias, num objeto devorador. Esta ansiedade poderia inibir a voracidade e por conseqüência o desejo de mamar. Cabe acrescentar que o tratamento da mãe para com o bebê é muito importante , uma vez que o ajuda a superar suas primitivas ansiedades paranóides e estabelecer relações saudáveis com o seio (alimentação) e a mãe como um todo. Quando a relação e o interjogo do bebê com o seio são considerados, não se pode deixar de acrescentar que se o bebê for alimentado com mamadeira , o recipiente pode ocupar o lugar do seio materno se for administrada numa situação em que o bebê possa ter carinho e contato físico com a mãe. Deste modo, ele será capaz de estabelecer dentro de si próprio o objeto sentido como fonte primária do que é bom. Observações com crianças difíceis de ser alimentadas levam em considerar que há falta de prazer , isto é, de gratificação libidi nal no processo de alimentação. A falta de prazer na comida ou sua completa recusa indica que os mecanismos esquizóide e paranóide, são excessivos e provocam a ansiedade em grau elevado ou também que estes mecanismos não são enfrentados adequadamente pelo ego, o que permitiria modificar a ansiedade. Aqueles que manifestam prazer no alimento e amor pela mãe, suportam mais facilmente a frustração no tocante ao alimento, tanto quando uma mamada está atrasada, quanto no tocante a introdução de

um

novo

alimento.

Estas

observações

derivam

dos

comportamentos de alguns bebês ,constituindo casos particulares, uma vez que alguns bebês reagem negativamente a um novo alimento e também quando a mamada está atrasada, podendo inclusive chegar a recusar o alimento. Essas experiências despertam no bebê a ansiedade depressiva, isto é , o medo de ter perdido a boa mãe em conseqüência de seus impulsos agressivos e por conseqüência, sentimentos de culpa. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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Acrescente-se ainda, que embora a criança esteja neste período na posição esquizo-paranóide, também pode experimentar sensações próprias

da

posição

depressiva,

etapa

subseqüente

do

seu

desenvolvimento, que é intensificada pelo período de desmame. A perda do objeto amado pode confirmar as ansiedades da criança e suas fantasias. Geralmente ocorre decréscimo do apetite quando o seio ou a mamadeira são retirados pela primeira vez o que indica que a ansiedade depressiva esteja relacionada com a perda do primeiro objeto, mas também a ansiedade persecutória contribui para o desagrado do novo alimento. No entanto, é a interação de uma série de fatores (internos e externos) que determinam o resultado final, ou seja, a superação da posição depressiva. O seio que foi int rojetado satisfatoriamente no estágio anterior e conseqüentemente o amor pela mãe, pode ser mantido apesar da privações. Também aqui, o comportamento e os sentimentos da mãe para com a criança são da máxima importância , pois uma atitude de carinho e atenção a ajudará a superar seus sentimentos depressivos e conseqüentemente aceitar o novo alimento. A

posição

depressiva,

é

uma

fase

importante

do

desenvolvimento emocional normal e indica o modo como a criança enfrenta essas emoções e ansiedades, assim como as defesas que utiliza,

no

sentido

do

desenvolvimento

estar

progredindo

satisfatoriamente ou não. Neste momento, suas experiências com a realidade externa aumentam sua confiança e o próprio contato com a mesma lhe permitem adquirir capacidade para lidar com o meio ou mesmo controlá-lo. O ego vai se fortalecendo com esse movimento, tornando-se o mais importante meio para superar ansiedades persecutórias e depressivas, pois a realidade vai se introduzindo em seu

universo

de

fantasias,

modificando-as

ou

atenuando

características negativas.

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Como já foi dito anteriormente todo o trabalho com bebês é baseado no material coletado através de observações. Existe muito a ser feito, pois a vida mental dos bebês ainda apresenta muitos mistérios.

Uma

compreensão

mais

completa

das

necessidades

emocionais e ansiedades dos bebês são fundamentais para o desenvolvimento saudável. Teorias do Vínculo Pichón Riviére (1956-1957) entende vínculo como a maneira particular pela qual o indivíduo se relaciona com outro ou outros , criando uma estrutura particular a cada caso e a cada momento. Sendo assim, não existe um tipo único de vínculo, pois

todas as

relações estabelecidas com o mundo são mistas. Considera dois campos psicológicos no vínculo: um externo e outro interno, ou seja, a forma particular que o indivíduo tem de se relacionar com as imagens internalizadas. A necessidade de comunicação humana é o que existe de mais profundo e primitivo em seu modo de funcionamento. Vincular-se com o outro, ou outros é o objetivo central tanto na aproximação quanto no isolamento. O estudo dos vínculos internos e externos é um

dos

principais

objetos

da

psicoterapia

analítica,

pois

o

levantamento da forma particular como o indivíduo estabelece seus vínculos permite conhecer também sua dinâmica mental. Dentro dessa visão , tem-se o que é denominado vínculo normal, até as alterações do vínculo , descritas como vínculos patológicos. Em se tratando deste último, a tipologia é bem variada , podendo-se citar alguns tipos de vínculo como: o vínculo paranóico, o histérico, o obsessivo , o hipocondríaco e o depressivo. Para Bowlby ( 1990) em sua teoria da ligação é um modo de conceituar a propensão dos seres humanos a estabelecerem fortes vínculos afetivos com alguns outros e,

de explicar as múltiplas

perturbações da personalidade, incluindo ansiedade, raiva, depressão e desligamento emocional, a que a separação e perda involuntária Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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dão origem.Embora incorpore muito do pensamento psicanalítico, a teoria da ligação difere da psicanálise tradicional ao adotar um certo número de princípios que derivam de disciplinas relativamente novas como a etologia e teoria do controle, estabelecendo relações estreitas com a psicologia cognitiva. Até meados da década de 1950, acreditava-se que os vínculos entre indivíduos se desenvolviam porque um indivíduo descobria que para satisfazer certos impulsos , como por exemplo de alimentação na infância e de sexo na vida adulta, precisava de outro ser humano. O aspecto fundamental da tese de Bowlby é de que existe uma forte relação causal entre as experiências de um indivíduo com seus pais e sua capacidade para estabelecer vínculos afetivos, e que certas variações comuns dessa capacidade, manifestam-se em problemas conjugais e em dificuldades com os filhos, assim como nos sistemas neuróticos e distúrbios de personalidade. Considerações sobre a privação materna para o desenvolvimento do bebê A relação mãe – bebê se inicia com uma forte necessidade de contato entre ambas as partes. Progressivamente tanto o bebê quanto a mãe vão ampliando suas relações, o pai por exemplo entra em jogo e essa díade inicial vai sendo rompida. Com a maturação, o bebê começará a ter condições de substituir a mãe concreta pela capacidade de recriá-la em suas fantasias e brincadeiras , desde que, tenha sido possível internalizá-la, ou seja, guardar dentro de seu universo mental uma imagem da mãe que possa ser relembrada, quando esta não estiver concretamente presente. Segundo Bowlby ( 1998), todo ser humano já nasce propenso a estabelecer fortes vínculos afetivos. Essa capacidade no entanto, pode ser diminuída devido a fatores externos que impedem ao bebê desempenhar esse potencial com as pessoas que o cercam. A capacidade é inata, mas precisa ser estimulada adequadamente para que se concretize. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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Um estudo observacional sobre o vínculo afetivo de bebês abrigados em instituições

Esse mesmo autor, descreve uma série de condutas da criança quando

afastada

da

figura

de

ligação,

tais

como:

choros,

chamamentos, ataques de fúria, etc. O desenvolvimento

do

comportamento de ligação com uma figura preferida ocorre durante os primeiros nove meses de vida, perdurando até o terceiro ano. Com isso não se pode afirmar que o campo de

relacionamentos do bebê

é limitado, mas que existe durante um certo período o desejo mais intenso de manter contato com uma determinada pessoa, que pode ser a mãe natural ou outra que a represente. Nos

primeiros

estágios

de

desenvolvimento,

uma

ajuda

contínua que em sua maior parte venha de uma só pessoa, parece ser essencial para que o desenvolvimento tenha sucesso. Neste contexto a mãe seria a pessoa mais adequada para exercer esse papel, já que nenhuma outra mulher está tão pronta a se dedicar e entender as reais necessidades do bebê, tanto físicas quanto emocionais. Desde que o bebê nasce a mãe procura estabelecer com o filho um modelo de comunicação, no qual busca compreender suas sinalizações. Exemplos: “Este choro é fome”, “Agora ele está com sono”. Passado um período inicial de adaptação a relação entra em sintonia e o bebê passa a

se sentir acolhido e satisfeito na maior

parte das vezes. Privar o bebê deste contato e submetê-lo a um tratamento indiscriminado que não atende suas reais necessidades, é colocar seu desenvolvimento em risco. Na instituição a criança é atendida num sistema

de

encarregados

múltiplos,

que

nega

à

criança

a

possibilidade de tornar-se apropriadamente ligada com uma só pessoa. A proporção funcionários- criança é totalmente inadequada e a clientela pode incluir crianças já perturbadas. Nestas condições um desenvolvimento normal dificilmente ocorrerá, mas as instituições podem adotar medidas treinamento

que

amenizem

este

quadro,

como

o

e formação de pajens sobre a importância da

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estimulação, do contato afetivo com o bebê e a compreensão de suas necessidades individuais. Psicanálise e Cuidados com a criança A

obra

de

Freud

influenciou

amplamente o pensamento

contemporâneo no que se refere aos cuidados com a criança. Antes dele,

o

estudo

do

amor

materno

como

indispensável

ao

desenvolvimento, não tinha recebido investigação científica, sendo posto de lado como sentimentalismo sem fundamento. O mesmo autor também procurou explorar de modo sistemático a ligação entre acontecimentos dos primeiros anos de vida e a estrutura e funcionamento da personalidade adulta. Bowlby ( 1956) diz que a criança infeliz se converte no adulto infeliz neurótico e o que importa é o “comportamento daqueles entre os quais uma criança cresce... e nos primeiros anos especialmente o comportamento da mãe”. (Bowlby, 1990, p.2). O Home Office [ Do Ministério do Interior Britânico] ( 1955) ,ao descrever o trabalho do seu

Departamento

da

Criança,

assinala

que

“as

experiências

passadas de uma criança desempenham um papel vital em seu desenvolvimento e continuam sendo importantes para ela..”; e adverte que “a finalidade deve ser garantir tanto quanto possível, que cada

bebê

seja

regularmente

cuidado

pela

mesma

pessoa”.

(Bowlby,1990, p.2). Atualmente os psicanalistas reconhecem, por exemplo, a importância vital de uma relação estável e permanente com uma mãe ( ou mãe substituta) amorosa durante toda a infância e a necessidade de aguardar a maturação antes de arriscar intervenções tais como o desmame e o treinamento de hábitos de higiene. O processo de observação Objetivos Verificar se o desenvolvimento afetivo-relacional do bebê pode vir

a

ser

comprometido,

quando

este

é

submetido

a

institucionalização por tempo prolongado. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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Relacionar

teorias

psicanalíticas

sobre

fases

iniciais

de

desenvolvimento à experiências contínuas de privação afetiva. Analisar

particularidades

do

vínculo

afetivo

nos

bebês

institucionalizados. Método – Sujeitos da pesquisa O estudo foi realizado com dois bebês de ambos os sexos com idade variando entre 4 e 12 meses, internos de um abrigo público da cidade de São Paulo. 2- Instrumentos Tendo como referência a psicanálise que se baseia sobretudo no conhecimento inferido, a pesquisa de campo foi realizada através do método de observação de Esther Bick ( 1964) conjugado com o método analítico. Desta forma,

procurou-se

entender a dinâmica

psíquica do bebê nas fases iniciais de desenvolvimento, assim como a função da fantasia a elas relacionadas. O método de estudo concentrou maiores esforços na compreensão dos aspectos de privação materna para a vida mental dos sujeitos, no qual foram relacionadas inferências sobre os conteúdos expressos e as fantasias subjace ntes. Utilizou-se fichas para

análises interpretativas da

relação mãe-bebê proposta por Andriatte (1994). Foram realizadas análises de todas as sessões de observação, levando-se em conta aspectos relevantes para compreensão do universo mental dos sujeitos. Resultados Considerou-se as variáveis do contexto institucional, a idade em que o bebê foi abandonado e em que circunstâncias, assim como sua forma de interação com o meio externo. Inicialmente se organizou os dados coletados da seguinte maneira: comparou-se o estudo realizado com as teorias escolhidas para análise do trabalho.

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CASO I Foi um bebê do sexo masculino, de cor branca, com oito meses e meio de idade, abrigado por iniciativa da própria mãe que é prostituta e usuária de drogas. A mãe da criança, relatou que o pai do menino era usuário de “crack” e ganhava a vida traficando drogas. Segundo a instituição, a mãe fazia visitas quinzenais ao menino, mas não demonstrava maior envolvimento afetivo com ele. Dentro em breve ele voltaria para o convívio da mãe como última tentativa de reintegração e, caso não fosse bem sucedida a convivência, o bebê seria colocado em uma família substituta , sendo adotado. A partir das observações se constatou que as relações travadas entre o bebê e as pajens era predominantemente superficial e escassa, com o mínimo de contato corporal. A superficialidade destas relações

repercutia

diretamente

no

menino

que

demonstrava

sentimentos de abandono, não tendo a possibilidade de estabelecer um vínculo mais profundo com alguma pessoa. Confrontando estes dados com a teoria explorada por este trabalho, supõe-se que a falta de um vínculo significativo na primeira infância comprometerá os futuros relacionamentos desta criança, uma vez que na falta deste não terá como internalizar uma experiência gratificante e repetir o padrão satisfatório aprendido com outros indivíduos. Analisadas as fantasias inconscientes deste bebê dentro do contexto de privação afetiva e material em que se encontra, verificou-se que seu maior desejo é o de ser amado e aceito por outras pessoas, fato este, que não encontra ecos na realidade. Notou-se que nas poucas vezes em que houve maior aproximação com a pajem, o bebê reagiu de forma negativa e hostil o que provavelmente indica que o contato sempre tão escasso tenha se transformado em persecutório, pois o objeto existe e não lhe proporciona prazer, gerando sentimento de inveja. Segundo Klein (1957) a inveja exerce grande influência

do desenvolvimento da

capacidade de gratidão e felicidade do indivíduo. Quando é excessiva Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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o ego precisa lançar mão de mecanismos de defesa mais primitivos, como a onipotência, a negação e a clivagem.

Com o exame das

observações verificou-se que o bebê apresentou as ansiedades próprias das duas posições do desenvolvimento, descritas por Klein (1952) a posição esquizo-paranóide e depressiva. Acredita-se que a grande

incidência

de

ansiedades

típicas

da

posição

esquizo-

paranóide, como medo de ser aniquilado ou perseguido ainda sejam marcantes em seu desenvolvimento devido as múltiplas experiências de privação afetiva a que era submetido diariamente. O meio externo, mau e distante, reforçava suas fantasias persecutórias, despertando muita angustia diante da possibilidade fantasiada e em grande parte real de destruição, levando-o ao ensimesmamento como uma das defesas mais utilizadas, o que poderá

lhe conferir traços

esquizóides. Com

notável

intensidade,

também

se

verificou

aspectos

depressivos, no qual o medo fantástico de perder o objeto devido ao sadismo, apareciam com freqüência. Possivelmente a utilização de alguns mecanismos de defesa maníacos, como os constatados nas interpretações, surgiam para combater a angústia frente ao perigo do abandono, defesas mais elaboradas desta fase não foram observadas no bebê, o que indica que a introjeção de um objeto amado e estável ficará comprometida, devido a grande privação afetiva. Neste contexto, concluiu-se que este bebê, dificilmente terá condições de se desenvolver satisfatoriamente do ponto de vista afetivo. Bebês que são submetidos a institucionalização e privação afetiva por tempo prolongado, como no caso desta criança, podem ter sua personalidade seriamente comprometida no futuro

e esta

preocupação vai além do campo psicológico, atingindo o campo social, podendo gerar psicopatologias graves ou perversões e delinqüência social.

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CASO II Foi um bebê do sexo feminino, de cor branca, com seis meses de idade. A criança deu entrada na instituição com desnutrição grau 1, anemia e dermatite de contato em estado avançado nos órgãos genitais. O caso chegou ao conhecimento do conselho tutelar por denúncia anônima de maus tratos. A mãe da criança é pedinte e algumas vezes consegue alguns “bicos” como lavadeira, o pai também está desempregado. Os genitores visitavam freqüentemente a criança e nestas visitas se constatou um contato adequado, pois estes demonstravam

afetividade e aconchegam o bebê. Tendo em

vista a situação, foi recomendado que se mantenha a medida protetiva de abrigo, até que o casal concebesse melhorar suas atuais condições de moradia e emprego. Na

ocasião

demonstrava

estar

das

observações

saudável,

com

a

criança

grande

aparentemente

necessidade

de

se

comunicar com o meio. Esta necessidade, porém, não estava sendo satisfeita, uma vez que as pajens visavam cumprir o programa préestabelecido pela instituição das rotinas diárias, do que manter uma aproximação mais gratificante com o bebê e lhe oferecer estimulação afetiva, adequadas às suas necessidades. Sendo assim, a relação do bebê com as pajens era predominantemente superficial com pouco contato afetivo e corporal. Auto-estimulação e a volta contra-si-mesmo, eram atitudes típicas

desta

criança

quando

tinha

seus

desejos

frustrados,

principalmente no tocante aos contatos afetivos. A falta de estímulos adequados e a ausência de um objeto externo que satisfizessem suas necessidades faziam com que o bebê adquirisse tais comportamentos para descarregar a ansiedade e o ódio provocados pelo abandono. A criança demonstrava intensas ansiedades tanto persecutórias quanto depressivas, ou seja, ora temia perder o objeto devido o sadismo investido contra o mesmo, ora receava que os investimentos libidinais voltassem contra ela mesma e a destruíssem. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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Um estudo observacional sobre o vínculo afetivo de bebês abrigados em instituições

A realidade institucional não contribuía fantasias

e

sim

para

intensificá-las,

o

para amenizar estas

que

poderá

acarretar

transtornos na formação da personalidade, principalmente no que se refere aos vínculos afetivos. O medo de perder o objeto é uma fantasia que encontrava confirmação na realidade, intensificando também a culpa por ter agredido o mesmo. Diante desta situação na qual a ansiedade freqüentemente se encontra em níveis elevados, o ego do bebê tem que lançar mão de mecanismos de defesa para se proteger do sofrimento. Dentre estes mecanismos, os mais usados foram: negação, cisão, ensimesmamento, e volta contra si. A institucionalização prolongada, as condições de carência afetiva e às vezes também material, aliada a total falta de preparo dos profissionais que lidam diretamente com o bebê e as poucas vivências

de

gratificação,

estavam

acarretando

prejuízos

no

desenvolvimento afetivo-relacional da criança. Superar as posições de desenvolvimento, sugeridas por Klein, e, introjetar experiências gratificantes torna-se algo muito mais difícil para uma criança institucionalizada, pois não havia uma pessoa com quem pudesse se vincular adequadamente, nem tampouco ter vivências que lhe permitissem amenizar suas ansiedades e diminuir o sofrimento. Frente a estes fatos as pulsões tanto libidinais quanto agressivas desta menina, sem ter um alvo externo para o qual pudesse se dirigir, era dirigido contra ela mesma, o único objeto sempre presente que lhe restava, fato que pôde ser observado em seus comportamento de auto-agressividade e no ensimesmamento. Conclusões Os resultados obtidos com as análises das observações, permite afirmar que os objetivos propostos foram atingidos, uma vez que se pôde observar um comprometimento no desenvolvimento afetivo nos dois bebês e particularidades de afastamento afetivo no vínculo deles com suas pajens, muito provavelmente devi do a privação afetiva a que estão submetidos. Boletim de Iniciação Científica em Psicologia – 2001, 2(1): 8-25

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As condições verificadas na instituição, como falta de preparo das pajens e o grande número de crianças por quarto, além do distanciamento afetivo e da rejeição, tornam a institucionalização uma experiência extremamente negativa para os bebês e suas conseqüências são visivelmente percebidas no comportamento dos mesmos. Acredita-se que se a situação de privação não se reverter o desenvolvimento afetivo destas crianças poderá ficar comprometido e até mesmo ser configurado em psicopatologias, distúrbios de conduta como delinqüência e dificuldade na formação de vínculos com outras pessoas no futuro - conseqüências possíveis, principalmente por não vivenciarem uma experiência afetiva gratificante na primeira infância. Mesmo não sendo analisada a instituição, o objetivo final deste trabalho, não se pode deixar de descartar a idéia de que a falta de estruturação e compromisso com a qualidade das relações por parte da instituição refletem diretamente no desenvolvimento saudável dos bebês. Percebe-se que para reverter este quadro, seria necessário uma total

reestruturação

da

instituição,

na

qual

se

priorizasse

o

treinamento das pajens quanto a importância do contato com os bebês, principalmente durante a amamentação e, o uso adequado de estimulação afetiva e motora, fator imprescindível quando se trata de bebês abrigados. A burocracia que impede a agilização do processo de adoção e a falta de uma política voltada para a educação e saúde pública que dificulta o regresso dessas crianças às suas famílias, impede também que

a

situação

de

privação

se

reverta,

favorecendo

conseqüentemente o desenvolvimento saudável dos seres humanos envolvidos.

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Um estudo observacional sobre o vínculo afetivo de bebês abrigados em instituições

Referências bibliográficas

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Uma

Perspectiva

Psicanalítica

nas

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Leia Aparecida Siqueira; Aparecida Malandrini Andriatte

Contato: Universidade Presbiteriana Mackenzie Faculdade de Psicologia Coordenação de TGI, Iniciação Científica e Grupos de Pesquisa Rua da Consolação, nº 896 – Prédio 14 – 1º andar Consolação – São Paulo – SP Cep: 01302-907 E-mail: [email protected] Tramitação: Recebido em: 05/2001 Aceito em: 08/2001

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